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Atropelamento na Avenida Faria Lima – por Foch Simão

Depois de cinco anos de apresentações, pilotos controlados, promessas de modernização e discursos sobre interoperabilidade financeira, o Banco Central do Brasil decidiu frear, de forma brusca, o projeto do DREX, a CBDC, (Central Bank Digital Currency), brasileira. O choque foi tamanho que ainda ecoa pela Avenida Faria Lima, onde, aparentemente, os semáforos regulatórios funcionam melhor do que qualquer inovação tecnológica.

Entre as múltiplas justificativas apresentáveis para a suspensão, uma se impõe com a delicadeza de um caminhão carregado de relatórios trimestrais, a ameaça direta que o DREX representaria à lucratividade dos bancos privados. Basta olhar para a arquitetura do projeto. O DREX não seria apenas uma moeda digital, seria uma plataforma programável, capaz de operar smart contracts, automatizando operações que hoje dependem da lenta, cara e lucrativa intermediação bancária.

A automatização de crédito com liquidação instantânea poderia reduzir a necessidade de bancos atuarem como corretores universais de tudo, com o registro automático de garantias, dando baixa instantânea em duplicatas e
financiamentos. Imagine o escândalo de existirem operações sem tarifas escondidas, despojadas de transferências condicionadas, com pagamentos automáticos e com contratos executáveis sem papelada ou carimbos? Definitivamente, a implantação do DREX, embora significasse um instrumento de controle estatal sobre as transações comerciais e financeiras, seria uma ameaça civilizatória à tradicional liturgia da burocracia financeira.

Mas o verdadeiro terror não estava na técnica, e sim no efeito colateral inevitável, a possibilidade de cidadãos e empresas manterem recursos diretamente em contas lastreadas pelo Banco Central, reduzindo o colchão confortável de depósitos que alimenta o crédito privado. Sem essa reserva abundante e barata os bancos teriam
de repensar sua forma de operar. Algo impensável na atual conjuntura patrimonialista brasileira, claro.

Além disso, uma CBDC com programabilidade nativa permitiria uma concorrência inédita com as plataformas privadas de pagamento e custódia digital. Uma infraestrutura pública, robusta e interoperável, poderia desviar fluxos de receita que hoje passam fielmente pela Avenida Faria Lima antes de chegar ao restante da economia, multiplicando os lucros bancários e os bônus dos banqueiros.

Claro, há os desafios cibernéticos, os riscos de ataques ao sistema e a necessidade de investimentos pesados em segurança. Mas é revelador que tais problemas só tenham se tornado “insuperáveis” quando o DREX começou a demonstrar que poderia funcionar.

No fim, o projeto foi atropelado não por falhas técnicas, mas pela força gravitacional do sistema financeiro tradicional, cuja órbita continua determinando o que pode ou não avançar no país. Assim, diante da ameaça de contratos inteligentes demais, eficiência demais e concorrência demais, prevaleceu o bom e velho princípio do mercado brasileiro: se a inovação incomoda, puxe o freio de mão.

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