O revoltante episódio da omissão e retardo do Supremo Tribunal Federal em apreciar o pedido de soltura de um cidadão injustamente preso, ocasionou a sua morte pelo agravamento do estado de saúde.
Cleriston, um comerciante e pai de família morador no Distrito Federal, foi preso por atos do dia 8 de janeiro de 2023, sequer atribuíveis a ele – constando nos autos prova do mesmo estar na sua loja quando os atos de depredação ocorreram.
No entanto, nada foi levado em conta, por clara ausência de análise dos autos, incluso quanto ao agravamento dos problemas de saúde – que motivaram seguidos pedidos pela liberdade do preso.
Por óbvio que não estamos diante da prática da Justiça e, sim, de uma ação deliberada de intimidação institucionalizada – um assédio protagonizado por elementos do Poder Judiciário contra a população civil, visando inibir manifestações de protesto contra o estado de coisas subvertido hoje instalado no País. A intimidação ocorre pela punição – senão por decisões draconianas, pela mera punição de todos com o processo, prejudicando sistematicamente indivíduos notoriamente hiposuficientes – seja na capacidade de se defenderem juridicamente, seja na capacidade de ombrearem fatos que os excluam das imputações por conta de um entendimento abjeto de que “todos se envolveram num crime coletivo”…
Já o disse em outra ocasião, em artigo próprio, que o Tribunal da República passou a gerar uma Jurisprudência do Medo. Substitui a função de resolver conflitos para gerá-los. Destrói a governabilidade por meio de decisões reativas, desprovidas de boa técnica ou comezinha juridicidade, monocráticas ou extraídas de suas onze cabeças, tal qual a Hidra de Lerna.
Tal qual um monstrengo sem controle, o Supremo, com a série de decisões teratológicas na tutela do episódio de 8 de janeiro de 2023, e com as mãos manchadas pelo descaso com a vida de quem estava sob sua custódia, confirma sua “função” de destruir a institucionalidade da República, intimidar cidadãos, silenciar opositores, subjugar os demais poderes e gerar transvalorações nocivas à segurança jurídica e à moral da sociedade.
O silêncio ensurdecedor de entidades como a OAB, o Ministério Público, as Forças Armadas, o Parlamento e a própria Magistratura, mostram o ninho de acovardados em que se transformou o País. Algo que particularmente me enoja e nos envergonha a todos. Soma-se à essa chusma de omissos, a mídia mainstream, podre e enlameada, radio-televisiva, digital e impressa, reduzida ao silêncio, à bajulação e à autocensura hipócrita.
O episódio do julgamento em foro privilegiado, de cidadãos comuns identificados com o bolsonarismo, revela algo pior que o já piorado estágio de crise em que estamos mergulhados. Implica na possibilidade de se enquadrar a atividade judicante do Supremo Tribunal Federal nos delitos estatuídos pelo Estatuto de Roma, submetidos ao Tribunal Penal Internacional.
Até quando a cidadania brasileira tolerará a sucessão de desmandos?
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é CEO da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.