Era 1974. Faltava um mês para a Copa do Mundo começar na Alemanha. Os jogadores da Seleção Brasileira ainda estavam no Rio. No domingo seria disputado o último amistoso, no Maracanã. À noite, o grupo viajaria para a Europa, com desembarque na Basiléia (Suíça) na segunda-feira e ida para a Floresta Negra, de ônibus.
Do programa constava um período final de preparação para o Mundial na concentração de Herzogenhorn, em Feldberg, Alpes alemães, em uma região conhecida como Schwartzwald (Floresta Negra), antes de a equipe se instalar definitivamente em Frankfurt, local do jogo de abertura da Copa, dia 13 de junho, contra a Iugoslávia.
Repórter escalado pelo editor Dante Mattiussi para a cobertura da Copa para a Folha de S. Paulo, eu viajei para a Europa no início de maio, juntamente com o companheiro Flávio Adauto e o fotógrafo Fernando dos Santos, dias antes do embarque da Seleção.
Chegamos em Basel, na Suíça, em uma sexta-feira. No dia seguinte, em carro alugado, seguimos para a Floresta Negra, na Alemanha, em uma viagem de apenas 50 quilômetros, mas difícil, por ser em região montanhosa e em estrada de pista estreita e com muitas curvas.
Perto do hotel escolhido pela Comissão Técnica da CBD (hoje CBF) para ser concentração da Seleção Brasileira por um longo período, em Feldberg, fomos surpreendidos pela neve.
Subindo a montanha em direção ao Hotel Herzogenhorn, localizado a 1.200 metros de altitude, a situação ia se complicando, com mais neve, queda de temperatura, ventos fortes e muita cerração. No cume era quase impossível enxergar instalações, campo de treino e tudo o que ultrapassasse cem metros. O gerente do hotel confessou estranhar a temperatura e a neve naquela época do ano.
Péssima notícia para a Seleção, que na segunda-feira estaria no local. Mas antes, disputaria um jogo no Maracanã sob uma temperatura em torno de 35 graus.
Seis meses antes, quando o técnico Mário Lobo Zagallo e o médico Lídio Toledo estiveram na Floresta Negra para a escolha de um local de concentração para o grupo, não tiveram a informação de que em maio do ano seguinte ainda poderia nevar e ter baixas temperaturas na região.
Se soubessem, evidentemente escolheriam outro local. E evitariam os muitos problemas que ocorreram há 50 anos, arrasaram os planos de Zagallo, e prejudicaram a participação do Brasil na Copa.
Após a surpresa da neve, começamos a anotar todas as informações, ouvindo administradores do hotel e funcionários. Flávio e eu fizemos um levantamento de como era a concentração da Seleção, enquanto Fernando fotografava tudo.
Ao sentirmos que tínhamos o que seria necessário para ampla e boa reportagem, voltamos à Basiléia, na Suíça. No hotel, Fernando improvisou um estúdio no banheiro para revelar os filmes. Era 1974, não havia internet, computador, celular. Ele separou várias imagens, instalou o aparelho de transmissão de telefotos na linha telefônica e enviou o material para a sede da Folha, na Alameda Barão de Limeira, em São Paulo.
Enquanto isso, Flávio Adauto e eu trocamos ideias, estabelecemos quais matérias faríamos e começamos a datilografar os textos em máquinas de escrever portáteis que costumávamos carregar para tudo quanto é canto.
Em 1974 também não existia o fax. Teríamos de utilizar máquinas de teletipo para a transmissão por linha telefônica. Antes de deixarmos o Brasil havíamos solicitado a instalação de um teletipo no nosso apartamento no hotel. Mas como havíamos chegado na sexta-feira, o equipamento ainda não estava colocado.
Também não podíamos nos socorrer de teletipos públicos porque era tarde de sábado e o correio suíço estava fechado na tranquila Basel. E o telex do hotel não estava disponível.
No meio dessa confusão Flávio e eu decidimos que nos mudaríamos de Basel. Dois dias após nos instalamos em uma pousada junto ao lago Titisee Neustadt, em um lugarejo da Floresta Negra perto do hotel da Seleção.
Naquele momento, porém, o nosso problema era enviar as reportagens de Basel para São Paulo. A alternativa que restou foi telefonar e ditar as matérias para um companheiro do setor de comunicações da Agência Folhas digitar os textos e encaminhá-los para a redação.
Deu certo. O material foi entregue à redação antes das 18 horas, em tempo de ser aproveitado com muito destaque na edição de domingo da Folha de S. Paulo. Fomos beneficiados pela diferença de fuso horário entre o Brasil e a Suíça, que era de quatro horas.
O importante foi o furo jornalístico. A Folha de S. Paulo foi o único jornal brasileiro a antecipar para os leitores já no domingo, dia do jogo de despedida da Seleção no Maracanã, o que Zagallo, a Comissão Técnica e os jogadores encontrariam na segunda-feira, em Feldberg, na Alemanha: uma concentração a 1.200 metros de altitude, cercada pela neve e envolvida pelo frio. Não poderia ser pior a recepção para a Copa do Mundo.
Até arriscamos algumas previsões: de que seria muito difícil a preparação em gramado molhado e pesado, com vento e cerração. E que o clima poderia ser o responsável por contusões musculares pouco antes da estreia no Mundial.
Não deu outra: durante a fase final de preparação na Floresta Negra muitos treinos foram adiados devido ao mau tempo, e outros foram improvisados dentro da concentração.
As nossas previsões se confirmaram: vários jogadores sofreram contusões. A maior baixa foi Clodoaldo. Titular absoluto, integrante da Seleção Brasileira tricampeã em 1970, na Copa do México, ele foi vítima de uma distensão muscular, não conseguiu se recuperar e acabou sendo “cortado” do Mundial da Alemanha pelo médico Lídio Toledo.
Mas, as péssimas condições climáticas não atingiram só os jogadores. Alguns jornalistas tiveram de procurar auxílio médico, além de serem obrigados a comprarem roupas de inverno e botas contra a umidade.
Uma foto de Fernando dos Santos, mostra os repórteres Flávio Adauto, Sérgio Barbalho, Vital Bataglia, Belmiro Soltier, Elói Gertel e Altair Baffa em um dia de muito frio aguardando o treino da Seleção Brasileira
Elói Gertel, inclusive, ficou acamado e em tratamento, vítima de uma pneumonia, desfalcando a equipe doJornal da Tarde. Foi substituído por um bom tempo pelo repórter Cândido Garcia, que estava trabalhando pela rádio Jovem Pan e acumulou funções para ajudar o companheiro de profissão.
O Brasil foi uma decepção e acabou em quarto lugar na competição.
Mario Jorge Lobo Zagallo reconheceu e lamentou o fraco desempenho da equipe na Copa da Alemanha de 1974, assumindo a responsabilidade pela campanha.
O respeitado técnico brasileiro, lenda mundial, único profissional tetracampeão na história do futebol (1958 e 1962 como jogador, 1970 como técnico e 1994 como supervisor-técnico), faleceu há dois meses, em 5 de janeiro de 2024, aos 92 anos.
Sérgio Barbalho é jornalista e escritor