Encerrar um ciclo é um dos movimentos emocionais mais sofisticados que alguém pode fazer. Não porque exige força, mas porque exige lucidez. Exige a delicadeza de observar a própria história sem pressa, sem fuga e sem a tentação de romantizar o que doeu. Há uma crença cultural de que fechar ciclos é simplesmente “deixar para trás”, como se fosse apenas virar a página e seguir. Mas, na prática clínica e no cotidiano emocional, o encerramento verdadeiro é muito mais profundo: ele pede que você devolva peso ao que já não sustenta você, que restitua ao passado aquilo que pertence ao passado e que assuma, com honestidade, que amadurecer implica abandonar versões antigas de si mesmo. Encerrar não é excluir, é reorganizar. É como arrumar uma estante onde alguns livros já não dialogam mais com o enredo da vida que você está disposto a escrever.
A gratidão, quando amadurece, não funciona como um filtro que apaga a dor. Pelo contrário: ela a organiza. Uma pessoa emocionalmente consciente não agradece porque “deu tudo certo”; ela agradece porque compreendeu. Porque transformou o caos em aprendizado, a frustração em consciência, a perda em maturidade. Gratidão não é anestesia; é estrutura. É a habilidade de reconhecer que determinadas experiências foram dolorosas, mas ainda assim contribuíram para a ampliação da sua visão de mundo, para o fortalecimento da sua sensibilidade e para o refinamento do seu repertório emocional. Por isso, quando um ciclo se encerra verdadeiramente, a frase mais honesta que podemos dizer é: “Cresci tanto que isso já não me serve mais. ” Não por arrogância, não por rejeição, mas porque o crescimento interno amplia o espaço entre quem éramos e quem estamos nos tornando. E esse espaço, tantas vezes desconfortável, é o território exato onde a evolução começa.
Todo encerramento exige nomear sentimentos, e esse é outro ponto que dificulta o processo. Em um mundo que nos acostumou a acelerar emoções, ignorar incômodos e empurrar dores para baixo do tapete psicológico, parar para nomear o que se sente parece quase um ato subversivo. Mas é um ato necessário. Quando você dá nome ao que sente, o corpo relaxa, a mente se reorganiza e a narrativa se torna clara. O não-dito pesa mais do que a própria dor. A negação cobra juros elevados: aparece na ansiedade silenciosa, na irritação acumulada, na exaustão que cresce sem motivo aparente. A psicologia chama esse processo de regulação emocional, a capacidade de reconhecer, compreender e contextualizar o que se sente antes de decidir o que fazer. Sem esse passo, qualquer tentativa de encerramento não passa de fuga; e fugir é continuar preso ao ciclo que você acredita estar fechando.
O fim do ano costuma transformar esse movimento interno em urgência: há pressa para virar a página, para “começar do zero”, para colocar tudo em uma caixa e fingir que o ano seguinte é uma promessa automática de renovação. Mas não existe virada de chave emocional sem releitura. É preciso rever o capítulo com honestidade, observar o que construiu, admitir o que feriu, acolher o que não deu certo e retirar significado daquilo que te atravessou. Só evolui quem aceita abandonar padrões que já não condizem com sua maturidade atual. Permanece repetindo o mesmo ano quem evita se encarar. Quem transforma a vida em ritual de repetição sem nunca se permitir um verdadeiro ajuste de rota. A mudança não nasce do calendário, nasce da consciência.
Por isso, encerrar ciclos não é despedida. É evolução. Não é cortar laços, é afrouxar vínculos emocionais que pararam de fazer sentido. É reconhecer que algumas pessoas foram importantes, mas já não caminham na mesma direção; que alguns projetos despertaram entusiasmo, mas já não sustentam o propósito atual; que alguns sentimentos foram fundamentais, mas já não impulsionam movimento. Encerrar um ciclo é escolher, e escolher dói, porque toda escolha implica renúncia. A diferença é que, dessa vez, você não renuncia a si mesmo para manter estruturas externas. Você renuncia ao que impede que a sua vida avance com inteireza.
E talvez essa seja a pergunta mais poderosa para 2026: o que ainda merece caminhar com você?
Não se trata de cortar tudo, nem de romper de forma fria, mas de reconhecer, com maturidade emocional, o que realmente se alinha ao seu bem-estar, à sua saúde mental e ao seu crescimento. É uma seleção cuidadosa, semelhante à de um viajante experiente que sabe que bagagem em excesso compromete a jornada. Carregar menos não significa possuir menos, significa se movimentar melhor.
Encerrar ciclos é, no fundo, um ato profundo de amor próprio. Um gesto silencioso que diz: “Eu me permito seguir.”
E quando você se permite seguir, o futuro deixa de ser ameaça para se tornar possibilidade.









