O presidente Luiz Inácio, ao confessar o seu descrédito no déficit zero em 2024 e, dessa forma, colocar em risco a credibilidade de seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, manda essa forte mensagem ao mercado: o governo prefere governar com a política, não com a economia.
Nos seus mandatos anteriores, tal sinalização também foi dada, porém não com tanta ênfase. Metas fiscais não inviabilizam programas sociais. Lula, em mandatos anteriores, sob o compromisso do equilíbrio fiscal, promoveu o Bolsa Família, Prouni, patrocinou as
cotas raciais, Luz para Todos, entre outros programas.
Sempre olhou com simpatia os cofres abertos e a enxurrada de recursos para as demandas sociais, acreditando que gasto com comida, habitação e saúde é investimento, não despesa. Prefere ser um governante voltado para atender áreas que geram o Produto Nacional Bruto da Felicidade, sem preocupação com o Produto Interno Bruto da Economia. Por isso, um déficit de 0.75% ou 0,5% do PIB em 2024 será perfeitamente suportável. Café pequeno.
Os economistas reagem com a expressão de que o descontrole com as contas públicas e a
irresponsabilidade no trato do déficit público, como prega Haddad, acabarão fechando o país aos investidores. Lula quer passar para a História a imagem de Pai dos Pobres, o governante que teve coragem de abrir as comportas para os gastos sociais. Não se incomoda se ganhar o troféu de populista exemplar. Sua pupila, Dilma Roussef, chegou a afirmar que o teto de
gastos é um atentado contra o povo brasileiro.
Vivemos um ciclo de grandes conflitos. A Europa já começa a sofrer os impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia. O Oriente Médio está em chamas. Uma carnificina ali acontece. Países da África padecem de fome. O Brasil, por suas riquezas naturais, teria condições de se sair bem das tempestades que assolam o mundo. Mas a gestão de viés populista poderá empanar
as condições de ingressar, logo, no painel das maiores potências. Ante essa moldura, emerge a questão: o que melhor poderia ocorrer ao Brasil nessa quadra de enormes tensões?
Cada brasileiro tem uma resposta na ponta da língua. Mais dinheiro no bolso, saúde, garantia de emprego, maior segurança nas cidades, harmonia social. Já da parte dos governantes, a palavra-chave é crescimento. A indicação a resumir as expectativas gerais pode ser esta:
a satisfação de todas as classes sociais seria a meta mais desejada.
Urge reconhecer que esse ideal resvala pelas tortuosas curvas da imponderabilidade, comum às Nações e desafio permanente de núcleos burocráticos que buscam modelos para viabilizar as administrações e driblar os obstáculos, principalmente em ciclos de crise. Ocorre que a opção pela política tira o bastão da gestão razoável, pois o fatiamento da estrutura administrativa entre partidos rompe os dutos da governança.
O presidente Luiz Inácio está vendo chegar ao término o primeiro ano de seu terceiro mandato. Se não quer regras rígidas para as despesas, não será em 2024 nem nos dois anos seguintes que fará os controles necessários. Leitura: o gado eleitoral precisará de muito capim. Caso queira engatar um novo mandato em 2026, aí é que as contas públicas irão para o brejo.
Lula ainda imagina que pode repetir a política de torneiras abertas de mandatos anteriores. Considera-se acima das planilhas contábeis, fechando olhos e ouvidos a seus consultores econômicos. A verve se espraia: Lula acha que pode revogar até a lei da oferta e da procura.
O fato é que o País vive uma crise crônica porque a natureza de sua política é incompatível com um modelo racional de gestão. Precisamos urgentemente reformar o sistema político-eleitoral; modernizar a estrutura do Estado, a partir de limites sobre competências entre Poderes e redefinição de atribuições entre entes federativos; consolidar a legislação infraconstitucional, que mantém buracos desde 1988, aprimorar alguns eixos das relações do trabalho. Os cidadãos – de todas as classes, vale lembrar – precisam enxergar no Estado
braços protetores, e não uma bocarra para engolir impostos, encargos e contribuições. A aprovação do IVA vai melhorar o bolso do cidadão?
O sistema previdenciário carece de condições para um bom atendimento. O país clama por uma escola pública de qualidade e capaz de abrigar milhões de brasileiros que permanecem fora do sistema educacional. Será que o governo não pode avançar em matéria de segurança pública, sem necessitar implantar o GLO, as tais operações de Garantia da Lei e da Ordem, colocando as Forças Armadas nas ruas? Assistir a 14 milhões de famílias por meio de bolsas, sem lhes dar uma saída para esse modelo acomodatício, é construir a cama da inércia.
Os corpos parlamentares, tocados pela ideia de que as crises – a econômica e a política – apontam para a necessidade de decisões altaneiras, haverão de encontrar aquele traço de união, para que as visões egocêntricas olhem para o altar da Pátria e ali depositem o fruto do
consenso, consubstanciado em ações para combater o atraso. Se não é possível avançar muito, pelo menos se tente fazer o máximo.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor