Estamos presenciando um “surdo” conflito entre Legislativo e Executivo. Parece que os políticos brasileiros não se entendem e o país segue para entristecedores caminhos. Vivemos uma fantasia. Tudo de bom está no Brasil, mas os políticos teimam em prejudicá-lo por todas as formas.
Nos bancos acadêmicos aprende-se que as funções do Estado são três: Legislativo, Executivo e Judiciário. Modernamente, outras atividades despontaram: controle de contas, Ministério Público, Advocacias públicas. Todas pretendem orçamento próprio. Todas querem figurar na Constituição da República. Como se isso fosse garantia de algo. Aprende-se, também, que o legislativo legisla, o Executivo administra e o Judiciário julga. Há autores que limitam as funções a duas: uma que cria e executa e outra que restaura a ordem se lesada.
A pureza das instituições e de seus conceitos cede ante o crescimento do Estado e a assunção de novas atividades por parte deste. Em verdade, cabe ao Legislativo a magnífica e notável atividade de instaurar e modificar a ordem jurídico. As grandes decisões são dele. Ele elabora a Constituição e a modifica e institui todas as leis que são aplicáveis ao país. Ao Judiciário cabe reparar inconstitucionalidades e ilegalidades. Ao Executivo a administração de todo o país.
Cada qual tem suas nobres funções. Dentre elas, ao Legislativo cabe elaborar o orçamento nacional. Tem a perspectiva da arrecadação do montante tributário e das receitas patrimoniais o que compõem. Sabedor do total que irá receber no exercício seguinte, elabora o “mapa” das despesas que terá que suportar. Há um balanceamento. Não pode gastar mais do que recebe. É como a dona de casa que sabe o que ganha e o que pode despender (o grego antigo tinha o oikos (casa) e o nomos (norma). Isso dá origem à economia.
A partir daí, sempre coube ao Executivo prever a receita e estabelecer a receita. De uns tempos para cá o Legislativo resolveu que tem parte na receita e na despesa. É que a liberação de algumas emendas inseridas na lei orçamentária anual dependia de anuência do Executivo. Utilizava, então, esse poder para constranger parlamentares a aprovar suas propostas. Em gesto de autodefesa, o Parlamento tornou tais liberações obrigatórias. Até aí concordo.
O que se passou depois? O Legislativo, vendo a pouca resistência oferecida pelo Executivo na liberação das emendas que se tornaram obrigatórias, inventou as emendas de bancada (incrível interferência na atividade executiva). Depois, instituiu, ao arrepio de qualquer norma constitucional, as emendas de relator (houve interferência do Judiciário neste passo).
O que isso significa? É a eterna guerra por poder e dinheiro. Primeiro, observe-se que a instituição de emendas parlamentares para deputados e senadores, bancada, relator, tudo se afigura inconstitucional. Segundo, há violação do princípio da isonomia, porque evidente está que se os parlamentares podem distribuir recursos a seu bel prazer é claro que terão posição privilegiada quando das novas eleições se realizarem. Os brasileiros comuns não terão possibilidade de concorrer, com igualdade de condições, com deputados que deram dinheiro para suas bases eleitorais. Terceiro, há o que e rotula de reserva administrativa própria do Executivo.
Diz-se que o Legislativo faz as normas, o Executivo as executa e o Judiciário julga. A concepção de Aristóteles/Montesquieu era de controle recíproco entre os órgãos de exercício de poder. A instauração do apetite parlamentar pela distribuição de verbas, tornando-se sócio do Executivo quebra o princípio da tripartição de poderes.
Felipe Salto, em artigo publicado no Estadão (janeiro de 2024), fala na privatização do orçamento. Fez análise econômico-fiscal como é de sua competência. Juridicamente, o orçamento não se sustenta. A interferência do Legislativo na execução orçamentária é inconstitucional e mesquinha. É quase uma transferência de atribuições constitucionais.
Claro que o Legislativo discute o orçamento, como é de sua competência. Elabora emendas e insere as de parlamentares. Até aí tudo bem. Mas, elaborar emenda constitucional para prever emendas de bancada e de relator é indecente, não fora inconstitucional.
Impõe-se, mais uma vez que o Judiciário (daí dizer-se que este poder está politizado) interfira dentro dos limites constitucionais para “por ordem no barraco”. Como se diz na gíria “cada macaco no seu galho”. Caso contrário, a árvore quebra e o barraco continua desorganizado.