Bolsonaro é o ‘moleque sabido’ que ajudou na captura de Lamarca? Não!
Bolsonaro, que residia em Eldorado Paulista, no Vale da Ribeira, teria auxiliado na perseguição ao grupo de Lamarca, a despeito de sua pouca idade – apenas 14/15 anos. Eldorado fora palco de um enfrentamento entre os guerrilheiros e os soldados da Força Pública, em que os primeiros levaram a melhor.
O “moleque sabido” realmente existiu, mas em Itapecerica da Serra, a 210 quilômetros de Eldorado, onde vivia a família Bolsonaro. E o fato em que esteve envolvido ocorreu em janeiro de 1969, cerca de 14 meses antes dos eventos no Vale da Ribeira.
Graças ao garoto, foram presos integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o grupo em que militava Lamarca, que pintavam um caminhão com a cor verde do Exército, num sítio no interior de Itapecerica.
Na história da repressão a grupos guerrilheiros nos anos 1970, militares do Serviço de Inteligência atribuem ao que chamam de “moleque sabido” uma informação essencial na investigação sobre Carlos Lamarca, capitão do Exército que desertou para se tornar líder de grupos armados de resistência à ditadura militar. O presidente Jair Bolsonaro, acoplou à sua biografia sua participação na busca a Carlos Lamarca, quando o guerrilheiro passou em 1970 pelo Vale do Ribeira, no interior de São Paulo, em fuga de tropas do Exército que o perseguiam. Seria Bolsonaro o “moleque sabido” ou o candidato tenta se apropriar de episódio mítico entre os militares para avolumar a própria biografia?
Quando Lamarca chegou a Eldorado, cidade em que o presidente Bolsonaro passou a infância, hoje presidente tinha 14/15 anos recém-completados. Repete que ainda “moleque” ajudou na “caça ao Lamarca” porque conhecia as matas na região de Eldorado. Mas os militares da Inteligência contaram que um carro foi abandonado por “terroristas” no bairro de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Para escapar de uma blitz, os “terroristas” fugiram a pé, deixando parte das armas no banco do carro: um Fusca cinza, placa 30-81-45, com dois pneus muito gastos. Dentro do carro, havia uma nota fiscal de uma Kombi verde, vendida a Carlos Lamarca.
Lamarca desertara do 4º Regimento de Infantaria, de Quitaúna (4º RI), levando 63 fuzis, dez metralhadoras e muita munição, carregada pela perua Kombi verde. Fugira acompanhado do sargento Darci Rodrigues, do cabo José Mariane e do soldado Carlos Roberto Zamirato. Todos haviam se tornado militantes da VPR, a Vanguarda Popular Revolucionária, então o principal grupo da luta armada em resistência ao regime. Usaram na fuga o Fusca cinza, que depois seria trocado pela Kombi comprada por Lamarca. Assim, o “moleque sabido” teria dado a primeira trilha que levaria à captura e fuzilamento de Lamarca, que só ocorreria em setembro de 1971, na Bahia (Sérgio Paranhos Fleury).
Os soldados que se confrontaram com Lamarca e a VPR, vistos como heróis, passaram a receber visitas constantes do jovem Bolsonaro, a quem estimularam a entrar na carreira militar, conforme contou. Mentira! Não se permitia jovens junto aos militares.
Os integrantes da VPR estavam armados com fuzis FAL e se mostraram superiores no embate. Pegaram um tenente da Força Pública – (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo) como refém e se embrenharam nas matas. Depois de caminharem um dia e meio, Lamarca e os companheiros decidiram matar o refém. Enterram-no numa pequena vala. Meses depois um dos militantes da VPR seria preso e apontou o local da cova do tenente Alberto Mendes Júnior.
O Tenente Alberto Mendes Jr., não era do exército, mas da Força Pública do Estado de São Paulo.
Em 21 de abril de 1969 – por estranha coincidência, dia e mês em que Tiradentes foi enforcado -, Mendes foi declarado Aspirante a Oficial da Força Pública do Estado de São Paulo, aos 22 anos de idade. Em 2 de julho de 1969, apresentou-se ao 15.º BPM – Batalhão Policial Militar, onde fora classificado devido a promoção.
Em 15 de novembro de 1969, foi promovido por merecimento intelectual ao posto de 2º Tenente, permanecendo naquela Unidade. Em 06 de fevereiro de 1970, deslocou-se para o Batalhão “Tobias de Aguiar” ao ser transferido por conveniência do serviço.
Logo à chegada, se entrosou com os novos companheiros, que lhe deram o carinhoso apelido de “Português”. Alegre, sempre sorridente, dedicava-se com afinco ao serviço, desempenhando com galhardia todas as missões.
A emboscada
No final de abril de 1970, era descoberto o foco terrorista da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) no Vale do Ribeira, próximo ao Litoral Sul paulista. Tropas do Exército, da Força Aérea, Marinha e Força Pública do Estado de São Paulo, deslocaram-se para aquela região inóspita. Ou seja, somente da Força Pública.
O 1.º BPM “Tobias de Aguiar”, 7º BPM-Sorocaba (Batalhão Escola na Formação de Soldados) – foram designados pelo Comando Geral da Força Pública do Estado de São Paulo, para prestar apoio à Companhia Independente com sede na cidade de Registro. Para lá seguiu o tenente Mendes no comando de um pelotão. Todos os policiais-militares daquele e de outro pelotão estavam subordinados ao capitão PM Carlos de Carvalho. Eu estava lá, pronto em condições de…
Após uma semana naquela cidade, o capitão recebeu ordens para regressar com um de seus dois pelotões a São Paulo, deixando em Registro apenas o outro, comandado por um dos oficiais à sua escolha. Não houve opção:
Mendes apresentou-se e solicitou a permanência. Mais uma prova de sua dedicação ao serviço.
Por volta das 21 horas de 8 de maio, seis terroristas comandados por um desertor, covarde, assaltante, homicida, chamado Carlos Lamarca e atacaram de surpresa um dos postos guarnecidos por oito integrantes do pelotão remanescente, nas proximidades de Sete Barras. Começava uma cilada. Ao saber que aqueles seus soldados estavam feridos, o tenente acorreu ao local para lhes prestar socorro. Era o que os sicários de Lamarca queriam. Haviam mantido sob vigilância os PMs feridos para atrair seus companheiros. Assim, no total, puderam cercar 20 soldados.
Os assassinos
Sob fogo de fuzis FAL e metralhadoras por todos os lados, o tenente Mendes precisava tomar uma decisão: ou ordenava o cessar fogo e entregava-se sozinho, ou morreriam todos. Como autêntico líder, propôs aos gritos que ficaria como refém em troca da vida dos comandados.
No dia seguinte à captura do tenente, dois terroristas perderam-se pelo caminho. O grupo ficou reduzido a cinco elementos e Lamarca considerou os desaparecidos como mortos. Ordenou que o refém pagasse a “traição” com a vida.
Enquanto Ariston Oliveira Lucena e Gilberto Faria Lima vigiavam o prisioneiro, Lamarca, Yoshitane Fujimore e Diógenes Sobrosa de Souza afastaram-se. Constituíram o que chamaram de “tribunal revolucionário” e condenaram o tenente à morte.
Em seguida, Yoshitane Fujimore desferiu-lhe coronhadas de fuzil pelas costas. Caído e com a base do crânio partida, o tenente Mendes gemia e contorcia-se de dor. Diógenes Sobrosa de Souza desferiu-lhe os golpes finais, esfacelando-lhe a cabeça. Ali mesmo, numa pequena vala e com os coturnos ao lado da face ensanguentada, o corpo foi enterrado.
Estes fatos só foram esclarecidos após a prisão do terrorista Ariston Oliveira Lucena, que apontou o local onde os despojos estavam enterrados. As fotografias tiradas do crânio atestam a violência desmedida. Ao saber do que acontecera, a mãe da vítima entrou em estado de choque e ficou paralítica por três anos.
Morte inglória
Descoberto o crime, a VPR – organização baseada na ideologia comunista – emitiu um comunicado “Ao Povo Brasileiro”, onde tenta justificar o covarde e frio assassinato. Dele consta o seguinte trecho:
“A sentença de morte de um Tribunal Revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, e assim o , foi sendo depois enterrado.”
Alberto Mendes Jr. recebeu promoção “post mortem” a capitão.
Um dos sintomas da mitomania, de que padece Bolsonaro, é que as histórias contadas são totalmente improváveis e muitas vezes não têm elemento de verdade.
Da mesma forma, as mentiras tendem a apresentar o mentiroso favoravelmente, apresentando-o, por exemplo, como uma pessoa fantasticamente corajosa.
A mitomania parece ser uma forma de Bolsonaro minimizar suas frustrações pessoais. Chegou ao oficialato no fim da década de 1970, quando já não mais havia “terroristas” para perseguir, prender e torturar, e a sociedade brasileira reagia com vigor à ditadura, obrigada a pôr em marcha o processo de “distensão lenta, gradual e segura” patrocinado pelo general Ernesto Geisel.
Não por acaso, a frustração foi compensada pela idolatria em relação ao coronel Brilhante Ustra, o torturador-mor do regime.
Considerado um mau militar pelos militares de alta patente como Geisel, que usavam a expressão “bunda suja” para designar tipos como ele na caserna, resolveu transformar-se numa espécie de ‘Unabomber’ de privadas.
*Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor.










