Esta questão veio a lume em razão da negativa de progressão de regime do ex-deputado Daniel Silveira, que já possui preenchido o requisito objetivo (tempo de cumprimento de pena), ostenta bom comportamento carcerário e mérito para o benefício (requisito subjetivo).
A questão não se limita à possibilidade de extinção da punibilidade sem o pagamento da pena de multa, que tem natureza penal e, por isso, deve ser executada, preferencialmente, pelo Ministério Público, perante a Vara das Execuções Criminais, e, subsidiariamente, pela Fazenda Pública (STF: ADI 3150, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, m.v., j. em 13.12.2018).
Assim, em razão de sua natureza penal, a extinção da punibilidade ficará na dependência do seu pagamento ou pela ocorrência de outra causa extintiva da punibilidade, como a prescrição.
Anoto, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça alterou seu anterior posicionamento e passou a entender que a ausência de pagamento da pena de multa, cumprida a pena privativa de liberdade ou a restritiva de direitos, não impede a extinção da punibilidade no caso de hipossuficiência do condenado, salvo se ficar concretamente demonstrada a possibilidade de poder quitá-la. STJ – Tema Repetitivo 931: “O inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária”.
Com efeito, não se trata disso, mas ao disposto no § 4º, do artigo 33, do Código Penal, que diz ser necessária para a progressão de regime, nos crimes cometidos contra a administração pública, a reparação do dano causado pelo agente ou a devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.
Fica evidente que não são todos os crimes condicionados à reparação do dano ou a devolução do produto do ilícito, mas apenas os praticados contra a administração pública, não havendo no dispositivo nenhuma menção ao pagamento da pena multa, que não tem natureza reparatória, mas sancionatória.
Não há nenhuma norma no direito positivo que traga como requisito para a progressão ao regime semiaberto ou aberto o pagamento da pena de multa, que poderá ser posteriormente executada, ficando a extinção da punibilidade do agente condicionada a seu adimplemento ou à ocorrência de outra causa que a extinga.
É certo que o artigo 118, § 1º, da Lei de Execução Penal estabelece como obrigação do condenado, que se encontra no regime aberto, o pagamento da pena de multa cumulativamente imposta, quando possível fazê-lo, sob pena de regressão.
No entanto, diante do problemático cenário econômico e social vivido pelo Brasil, dificilmente será motivo para a regressão de regime, exceção feita para o condenado que possui melhores condições financeiras e sabidamente pode arcar com a obrigação.
Além do mais, como a pena de multa é considerada dívida de valor (art. 51 do CP) e não é mais possível sua conversão em pena privativa de liberdade pelo seu inadimplemento, há forte entendimento de que este dispositivo não mais sobrevive para justificar a regressão.
Por fim, é a própria lei que expressamente permite a progressão para o regime aberto sem o pagamento da multa, tanto que, não adimplida, em tese, poderia haver a regressão.
Dessa forma, por todos os ângulos que se examine a questão, por absoluta ausência de amparo legal, não é óbice para a progressão de regime prisional o não pagamento da pena de multa.
E, bem por isso, não é dado ao Magistrado condicionar a progressão de regime ao pagamento da multa, mesmo que de forma parcelada.
Por outro lado, contrariamente ao que defendemos, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que “constatado o inadimplemento da pena de multa aplicada cumulativamente à privativa de liberdade, o Juízo da Execução Criminal deverá, antes de deliberar acerca da progressão de regime, intimar o reeducando para efetuar o pagamento, ressaltando a possibilidade de parcelamento, a pedido e conforme as circunstâncias do caso concreto (art. 50, caput, do CP), bem como oportunizando ao condenado comprovar, se for o caso, a absoluta impossibilidade econômica de arcar com seu valor sem prejuízo do mínimo vital para a sua subsistência e de seus familiares” (STJ: AgRg no REsp nº 1.990.425/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, v.u., j. em 22.04.2022).
Note-se que, mesmo para o Superior Tribunal de Justiça, somente será óbice para a progressão de regime prisional o não pagamento da pena de multa quando o sentenciado tiver condições de fazê-lo, ou seja, se puder pagá-la sem prejuízo do seu sustento e de sua família.
Destarte, não podendo pagar a multa penal, o que deve ser demonstrado concretamente pelo sentenciado, não será impeditivo para a progressão de regime a não quitação da pena pecuniária.
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.