Em fevereiro de 2020, nem me passava pela cabeça que, ao final do ano, seria convidado para assumir a Secretaria de Obras do município de São Paulo. Escrevi o artigo à seguir que, nessa semana, alguém compartilhou e voltou a aparecer na minha “timeline”. Vale a leitura!
“Hoje (10/02/20) pela manhã, o Secretário Estadual de Infraestrutura Marcos Penido, durante uma entrevista, explicou que a cidade se preparou para enfrentar a chuva que causou diversos pontos de alagamento e que pararam a cidade. Equipes foram mobilizadas, equipamentos de bombeamento atuaram com 100% de sua capacidade, entre outras medidas. Nesse momento, a jornalista fez o comentário que passou pela cabeça de muitos no dia de hoje: “É secretário, se preparou, mas não foi o suficiente!”.
A entrevista trouxe algumas informações importantes para a discussão desse problema:
– a última vez que uma chuva causou o extravasamento das calhas dos Rios Pinheiros e Tietê, foi no ano de 2005;
– o governo estadual contratou as obras para o piscinão Jaboticabal, localizado na divisa das cidades de São Paulo, São Caetano do Sul e São Bernardo, a fim de minimizar o problema das enchentes na região. Uma pesquisa na Internet informa que essa obra de infraestrutura custará 400 milhões de reais.
O crescimento desordenado da cidade, a ocupação da várzea dos rios, a impermeabilização do solo, estão entre as principais causas das enchentes. Muitas obras têm sido feitas ao longo dos anos a fim de minimizar os problemas causados por chuvas excessivas. Bilhões de reais já foram gastos em aprofundamento de leitos de rios, criação de piscinões, equipamentos de bombeamento. Foram investimentos importantes, que reduziram substancialmente as enchentes na cidade.
A questão que se coloca agora é: Vale a pena se consumir mais alguns bilhões de reais para enfrentar uma situação que ocorre a cada 15 anos? Será que não temos outras demandas mais urgentes para aplicar esse dinheiro?
Esse é o dilema pelo qual passa todo gestor público: como alocar recursos finitos quando existem infinitas demandas? Mas, cabe também a nós aprofundar essas discussões.
Em situações como essas, prioridades devem ser definidas.
A primeira, em minha opinião, é a preservação da vida humana. Assim, quanto às chuvas, os trabalhos de contenção de encostas e de desocupação de áreas de risco devem ser contínuos e prioritários.
Em seguida, é preciso discutir se, ao invés de sairmos gastando recursos inexistentes para dar uma resposta a sociedade, não seria mais adequado a criação de uma política de redução de danos. Prepararíamos a nossa infraestrutura para atender a um nível máximo de precipitação. A partir daí, como em outros países sujeitos a condições climáticas desfavoráveis, vamos tomar medidas que minimizem os riscos e danos para a população: melhorando o sistema de previsão do nível de precipitações, desenvolvendo sistemas de alerta da população para condições de tempo desfavoráveis, mapeando os principais riscos e estabelecendo um plano de ação (por exemplo, cancelando as aulas) para minimizar as consequências de precipitações acima dos limites estabelecidos.
É bem provável que se na chuva de hoje, a população da cidade e do seu entorno, tivesse sido alertada dos riscos de extravasamento das calhas dos rios e de suas consequências e um plano emergencial tivesse sido ativado, grande parte dos transtornos vistos hoje na cidade poderiam ter sido evitados.
Talvez, seja hora de termos a humildade de assumir nossos erros na urbanização da cidade, admitir que a natureza é mais forte e que, a cada 15 anos, teremos que parar e aguardar que ela tome seu rumo!”
Passaram-se 4 anos e hoje, estou à frente da secretaria que tem por responsabilidade planejar, projetar e dar andamento às obras de drenagem da cidade. Temos buscado atuar com planejamento e coerência:
- Priorizando a preservação da vida humana, através de obras de mitigação de riscos, em especial, nas margens de rios e encostas.
- Planejando intervenções que reduzam as manchas de alagamento da cidade e priorizando essas ações através do Plano Diretor de Drenagem.
- Solucionando problemas de contratos antigos, retomando aqueles que apresentam vantagem financeira para a cidade e rescindindo os que não se mostram viáveis e licitando obras importantes para garantir uma resiliência adequada para a cidade.
Por fim, a cidade tem hoje um grupo intersecretarial que trata da redução de riscos, da qual a secretaria faz parte, que está discutindo e tomando ações para implementar, além das obras necessárias para redução de riscos, a questão do monitoramento de riscos, equipes de apoio e o sistema de alerta.
Ainda temos problemas, mas estamos avançando bastante na proteção da população para fenômenos climáticos extremos, que tem se tornado mais frequentes.
Marcos Monteiro é Secretário Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras de São Paulo.