Passada a Olimpíada de Paris, que trouxe muita emoção, esperança e a indicação de novos caminhos para o esporte brasileiro, muitas imagens ficaram e ficarão em nossas memórias.
A icônica foto do surfista Gabriel Medina, candidata aos melhores prêmios de fotojornalismo, é uma delas. A amizade e a reverência no pódio entre Rebeca Andrade e Simone Biles também ajudaram a sedimentar um ambiente de lindas histórias que envolvem determinação, mas que, pelo menos no caso das brasileiras, também pressupõem um desafio às estatísticas. Sejamos honestos: quem conhecia a judoca Bia Souza, uma das nossas três medalhistas de ouro? Quem já tinha ouvido falar dela como candidata a surpresa nos Jogos de Paris?
Rayssa Leal voltou com a prata e muita festa no retorno às aulas na cidade de Imperatriz (MA), que aconteceu nessa quarta-feira (14). A dupla do vôlei de praia – Ana Patrícia e Duda… Quanta admiração, quanta comoção… O brasileiro se reconectou com o esporte e com a ideia de ter ídolos. E isso nos parece tão fundamental.
A apresentadora Ana Maria Braga foi às lágrimas ontem cedo (13), na Globo. Ela recebeu Rebeca Andrade – a ginasta que tem sido ovacionada por onde passa. Corre nas redes sociais um vídeo genuinamente brasileiro: o comandante de um avião da Latam saúda a atleta e diz que ela encheu o Brasil de orgulho; imediatamente, todos os passageiros aplaudem e entoam “Rebeca! Rebeca!”.
As histórias de Rebeca (e de Simone Biles, nos Estados Unidos) são uma em um milhão, um bilhão talvez… Sabe-se lá… E elas nos ensinaram que adversários podem ser amigos – tremenda lição para o Fla-Flu de todos os dias no futebol. Muito emocionada, Ana Maria Braga, na conversa com Rebeca Andrade, disse que ela se tornara uma esportista que passa a integrar um grupo seleto em que estão Pelé, Ayrton Senna e Gustavo (Guga) Kuerten. Nenhum exagero da parte da carismática apresentadora do Mais Você. Rebeca, vale lembrar, é a atleta brasileira com mais medalhas olímpicas, um feito inimaginável sobretudo se a biografia dela – que rende um livro, uma série ou um filme – servir como base.
As “meninas” do vôlei de praia também foram incríveis e quem ficou pelo caminho à espera de resultados melhores falou sobre essa dor, mas não faltou entrega, compromisso, garra, vontade. O esporte ensina…
Para mim, uma eterna medalha de ouro – por chacoalhar um país com uma declaração que deveria ter sido levada muito mais a sério do que foi – veio da judoca Rafaela Silva, medalha de bronze (inédita) por equipes nos Jogos de Paris. Rafaela, criada na Cidade de Deus (RJ), disse, também muito emocionada, que “antes, as pessoas subiam o vidro do carro pensando que eu ia roubar. Hoje, elas baixam o vidro para me cumprimentar”. Uma aula de antropologia para a classe média que se vangloria de pagar impostos – como se isso fosse um resumo de todas as responsabilidades dela.
Para além do show, do entretenimento, do riso fácil que as transmissões esportivas buscam, seria campeã uma emissora que se permitisse mergulhar na emoção, no abismo social e no ostracismo que uma frase como essa suscita. É muito forte o que o Rafaela “reivindica”, a declaração dela embute muita dor.
Quantas Rebecas o Brasil poderia ter se cada um de nós enfrentasse o maior de nossos adversários – o preconceito ? Quantas Rafaelas teríamos, sem medo de descer o vidro do carro…
Wagner Belmonte é jornalista e professor universitário