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Equilíbrio fiscal se faz com critério, não com precarização – por Antonio Tuccilio

Temos visto reformas em sequência que afetam não só a estabilidade, mas também as condições de trabalho e as formas de contratação no serviço público. Expandem-se vínculos celetistas e multiplicam-se propostas de temporários que, não por acaso, coincidem com o tempo de mandatos políticos. O que se apresenta como modernização e controle de gastos tem produzido uma ameaça estrutural ao serviço público, enquanto áreas de alto impacto orçamentário permanecem pouco enfrentadas. A pressão recai sobre a base do funcionalismo, que recebe salários modestos e mantém o Estado funcionando.

Se o objetivo é responsabilidade com o dinheiro público, a pergunta é por onde começar. O teto salarial existe para dar previsibilidade e afirmar uma regra de justiça: ninguém no serviço público federal deve ganhar mais do que o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, em alguns segmentos a norma se mostra pouco eficaz. Levantamento da ONG Transparência Brasil indica que pequenas frações de servidores, especialmente em carreiras de magistratura, utilizam parcelas classificadas como “indenizatórias” ou benefícios que resultam em vencimentos bem acima do teto. Isso revela que o problema está menos no teto em si e mais em sua execução: se o topo do funcionalismo permanece com remunerações significativamente elevadas enquanto a norma não é aplicada em toda a extensão de suas possibilidades, exige-se não apenas cumprimento, mas visibilidade real sobre os valores pagos acima do limite e os instrumentos que permitem essa prática.

A discussão sobre reforma administrativa precisa de transparência sobre conteúdo, impactos e salvaguardas. O debate acumulou contradições: o discurso promete preservar a estabilidade, mas a combinação de vínculos temporários mais amplos, portas para contratações excepcionais e modelos de avaliação sem balizas uniformes tende a fragilizá-la na prática. Qualquer nova tentativa deve vir acompanhada de mapas de impacto por carreira, critérios objetivos e proteção explícita à autonomia técnica, sob pena de reduzir a atratividade e a capacidade de retenção de profissionais em áreas essenciais. Nos materiais mais recentes da Câmara, o relator reafirma que “não mexe na estabilidade”, enquanto entidades e especialistas apontam riscos concretos em pontos relacionados a contratações temporárias e progressões condicionadas, razão adicional para exigir clareza, texto consolidado e diálogo real antes de votar.

Transparência também é decisiva na alocação política de recursos. As emendas parlamentares movimentam cifras relevantes e influenciam prioridades de políticas públicas. O STF declarou inconstitucionais as antigas emendas de relator e fixou parâmetros de publicidade e rastreabilidade; ainda assim, parte da execução segue com lacunas de transparência, especialmente nas chamadas transferências especiais, o que exige trilhas de controle de ponta a ponta, quem propôs, para qual finalidade, quando foi pago, onde foi executado e qual resultado foi entregue. Sem isso, cobra-se sacrifício da base enquanto bilhões circulam sem informação pública equivalente. Orçamento legível e teto remuneratório efetivo são partes do mesmo esforço de integridade.

Enquanto essas frentes seguem mal resolvidas, parte das propostas tem mirado a entrada e a estabilidade dos novos servidores. É um atalho politicamente simples e tecnicamente arriscado. Serviços essenciais dependem de continuidade, memória institucional e atratividade de carreira. Estabilidade não é privilégio; é instrumento de proteção do interesse público, que reduz risco de captura política e sustenta a imparcialidade no atendimento. Enfraquecê-la na base, mantendo brechas no topo, desorganiza equipes e deteriora a qualidade da entrega ao cidadão.

A CNSP é favorável à modernização com critérios e à ordem correta de prioridades. Primeiro, efetivar o teto salarial onde a despesa se concentra, com critérios estritos para o que é indenizatório, visibilidade sobre auxílios, retroativos e estruturas de apoio. Segundo, transparência integral e rastreável nas emendas parlamentares, da origem à execução, conforme as balizas já definidas pelo STF. Terceiro, uma reforma administrativa que simplifique processos, valorize mérito e invista em tecnologia, sem precarizar vínculos nem comprometer a autonomia técnica. Reformar é corrigir distorções e fortalecer capacidades. Se existem áreas de gasto e de desenho institucional mais urgentes a revisar, que elas sejam enfrentadas antes de qualquer alteração apressada e sem diálogo real nas regras que atingem os servidores públicos.

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