Quanto mais ouço políticos, administradores de cidades e a mídia, em geral, chamar “favela” de “comunidade” mais me irrito. É feio chamar os bairros que nascem desorganizados. nos morros ou não, de favelas? Por quais razões? Em vez de procurar eufemismos o correto seria dar dignidade a quem mora nas favelas e não tentar amenizar o termo que já entrou para o vocabulário brasileiro, quer queiram, quer não. Ainda se em vez de comunidade – termo que pode significar milhares de coisas – resolvessem chamar de “bairros”, que é o que na verdade são, ainda vá. Mas, comunidade? Isso quer dizer o quê, afinal?
Jornalistas deveriam, há mito tempo, se rebelar contra essa “coisa”. Mas aderiram. E os políticos, ah! os políticos! Deveriam se preocupar em colocar sistemas de esgotamento sanitário nas favelas. De abastecer as favelas com boa água potável para todos. De impedir barracos na beira de córregos, o que tem dado doenças e até mortes por ocasião de grandes chuvas. Deveriam se preocupar em transformar barracos ou moradias precárias em casas confortáveis. Deveriam evitar – e fiscalizar! – os “gatos” que causam incêndios. Deveriam combater as milícias que atormentam a vida dos moradores. Deveriam dar segurança, conforto, dignidade aos moradores das favelas. Tudo isso em vez de se preocuparem com o termo “favela”.
O que está acontecendo, essa ridicularia de chamar “favela” de “comunidade” é de uma maldade atroz! É fácil mudar o nome. Difícil é diminuir a desigualdade, transformar as favelas em bairros com tudo o que os moradores têm direito, boas escolas, bons postos de saúde, ruas asfaltadas, policiamento para evitar a barbárie, expulsão de milicianos.
É difícil? Claro que é! Mas é obrigação de prefeitos e governadores. Mais fácil é se referir à favela como comunidade. Aí ficam de consciência tranquila. Ficarão? Acho que sim. A politicalha de hoje em dia – com as exceções que confirmam a regra – fica de consciência tranquila por dá cá esta palha. Querem votos. Passadas as eleições, eleitos deputados, vereadores, senadores, prefeitos e governadores o povo que se lixe. Favelados também.
Por essas e por outras me recuso a tratar favela de comunidade. Não tenho medo das palavras da língua portuguesa, não como gato por lebre, não gosto de hipocrisia, pra mim é favela. Onde vive gente boa e trabalhadeira, gente sofrida que espera vida melhor – a vida melhor que nunca chega. O que chega é nome mudado. Pra inglês ver. Pode coisas mais ridícula e maldosa?
Regina Helena de Paiva Ramos é escritora e jornalista