Tal como sucede com as Forças Armadas, embora a Constituição não o
diga, o Poder Judiciário também se rege pelos princípios da hierarquia e disciplina. Não
me refiro à hierarquia e disciplina dos quartéis. Refiro-me àquela que deve imperar nos
fóruns, em prol da segurança jurídica.
O Poder Judiciário tem estrutura piramidal. Na base estão os órgãos de
primeiro grau, presididos por juízes de direito, juízes federais, juízes do trabalho; em
plano intermediário os Tribunais de Justiça dos Estados e os Tribunais Regionais
Federais; acima destes os Tribunais Superiores e, no ápice, o Supremo Tribunal Federal
(STF), ou Corte Suprema.
Ao ser empossado ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), espantei-me com o volume de Recursos de Revista barrados pela muralha do conhecimento. Para ser analisado e julgado, o principal requisito desta modalidade especial de recurso, consiste na demonstração de divergência com a jurisprudência consolidada. O TST não é Tribunal de Justiça. Não revê fatos e provas. Tem como meta manter a jurisprudência interna uniformizada.
Já o STF, é mais do que tribunal unificador da jurisprudência. Competelhe, “precipuamente, a guarda da Constituição”, e o faz processando e julgando, originariamente, ações diretas de inconstitucionalidade, recursos extraordinários e reclamações destinadas à “preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”, como prescreve o art. 102 da Lei Fundamental.
As relações do STF com os demais órgãos do Poder Judiciário sempre se caracterizaram pelo clima de recíproco respeito. Recentes decisões do STF, proferidas em Reclamações, ajuizadas com fundamento no art. 102, l, da Constituição, 988/993, do Código de Processo Civil (CPC), e 156/162 do Regimento Interno (RISTF) tornaram-se, entretanto, alvos de críticas, acusadas de violação da competência da Justiça do Trabalho, no que se refere a reconhecimento de relação de emprego.
Não entrarei no mérito das acusações. Lembrarei, apenas, que o STF, como todos os demais órgãos do Poder Judiciário, só age quando provocado. É necessário que alguém, pessoa física ou jurídica, revestida de interesse e legitimidade (CPC, art. 17), se valha dos dispositivos constitucionais, legais e regimentais para reclamar contra a quebra da hierarquia e da disciplina, por decisões que ignoram o peso da jurisprudência da Suprema Corte.
Ajuizada a Reclamação, o STF examinará se o pedido se encontra instruído com prova documental, e se estão satisfeitas as demais exigências do art. 988 do CPC. A Reclamação não é Recurso, no sentido processual da expressão. É prevista no Livro III, Título I, Capítulo IX, do CPC, que trata Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais. Dos Recursos propriamente ditos, cuida o Título II.
Com a Reclamação ao STF, o litigante derrotado procura exercer a “ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, conforme prescreve o 5º, LV, da Lei Fundamental. Como meio de defesa, e não recurso, a Reclamação é mais simples e objetiva do que o Recurso de Revista ou o Recurso Extraordinário. Visa a garantir a autoridade das decisões do STF sobre a mesma matéria, em “controle concentrado da constitucionalidade”.
Os casos mais comuns envolvem relação de emprego de advogado associado, com escritório de advocacia; do motorista autônomo com plataforma de aplicativo (Uber); de corretor autônomo com empresa de corretagem; do motorista independente com transportadora urbana ou rodoviária. Quase sempre, as decisões objeto de Reclamações afastaram provas documentais, para atribuir maior credibilidade a depoimentos pessoais e testemunhais.
Com a devida vênia de quem pensa de forma diferente, entendo que o STF, como órgão de cúpula, não pode ter a jurisprudência ignorada por tribunais situados em plano inferior, embora com o nome de Tribunal Superior. Estaríamos subvertendo os princípios de hierarquia e disciplina, que sempre deverão prevalecer, independente da interpretação do órgão Subordinado.
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Almir Pazzianoto – Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.