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O homem livre – por Almir Pazzianotto

O homem nasce livre. Uma das maneiras de perder a liberdade consiste em celebrar contrato de trabalho regido pela CLT, a velha e respeitável Consolidação das Leis do Trabalho. A outra se alistando para integrar as Forças Armadas.

É empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) deverá ser apresentada, mediante recibo, ao empregador, quando admite alguém como empregado. Terá o prazo de quarenta e oito horas para proceder ao registro e devolvê-la ao trabalhador, sob as penas da lei.

Uma vez registrados, o homem, ou a mulher, que até então eram livres, passam a condição de dependência, sujeitos às regras do contrato, às exigências da lei e ao regime disciplinar da empresa.

Nos primeiros anos de advocacia sindical conheci fábricas cuja disciplina era controlada por feitor ou capataz. Feitor, segundo os dicionários, é o chefe de grupo organizado de trabalhadores braçais. Havia os mais duros e violentos, que mantinham a ordem interna aos gritos e ameaças de agressão. Diante do menor deslize aplicavam penas de advertência e de suspensão. Duas ou três suspensões poderiam resultar, quase sempre, em demissão por justa causa, submetida a exame na Justiça do Trabalho.

Na década de 1970, a chegada de empresas multinacionais, sobretudo nos setores automotivo e químico-farmacêutico, trouxe como inovação a gerência de recursos humanos, com a eliminação dos feitores e capatazes, substituídos por profissionais especializados na administração da recursos humanos, os RHs. Milhares de trabalhadores passaram a receber treinamento, com o objetivo de fixá-los na empresa. Aqueles que não se adaptavam eram despedidos, provocando elevada rotatividade, algo em torno de 25% ao ano. Os trabalhadores que permaneceram deram origem à classe dos empregados qualificados e politizados, como revelariam as greves das décadas de 1970 e 1980.

De todo modo, porém, o empregado continuou submetido às exigências do contrato de trabalho, como, por exemplo, uso de uniforme, sujeição ao controle do horário de entrada e saída, dos intervalos para refeição ou descanso, à prestação de horas extraordinárias ou noturnas. A perda da liberdade seria atenuada com o pagamento do descanso semanal, do período de férias anuais, e do décimo terceiro salário. Quem desejar saber o que significa ser empregado deve procurar vê-lo nos ônibus, trens ou vagões do metrô, quando se dirigem de manhã ao trabalho, preocupados em não se atrasarem, ou no final da tarde, após exaustiva jornada, para breve descanso noturno em companhia da família.

Tenho duas Carteiras Profissionais onde estão anotados contratos de trabalho mantidos, mais de vinte anos, com federações e sindicatos profissionais. Sei, portanto, por experiência própria, o significado das expressões subordinação e dependência. Casado e com filhos dependia dos salários que me pagavam, subordinando-me, assim, a difíceis condições de trabalho em plantões diurnos e noturnos, na redação de petições iniciais, de memoriais, de recursos e fazendo sustentações orais em dissídios individuais e coletivos. Nas relações com os funcionários, dirigentes sindicais não eram muito diferentes dos empregadores que enfrentavam.

Elaborada sob a ditadura do Estado Novo, a CLT entregou a Getúlio Vargas o controle das classes trabalhadoras, ao lhes negar o direito à autonomia de organização sindical, e de lhes criminalizar o exercício da greve, conforme as diretrizes da Carta Constitucional de 10/11/1937. Ainda hoje encontramos na CLT dispositivos inalterados desde 1943 e, na Constituição de 1988, restos do período ditatorial, como a unicidade sindical, o registro no Ministério do Trabalho e a figura do dissídio coletivo.

Existe, porém, quem opte pelo direito de ser livre, recusando-se trabalhar em regime de dependência de empregador. São eles os trabalhadores autônomos, os diaristas, os microempreendedores, as pessoas jurídicas individuais, conhecidas como Pjs, os motoristas de aplicativos.

Por que não? Afinal, entre a sujeição à CLT e o regime de liberdade, milhões escolhem ser livres, sem se submeterem a horários fixos e obrigatórios, às imposições da lei e das normas internas da empresa empregadora.

Em desfavor da liberdade, apresenta-se como argumento a ausência de filiação ao INSS. O argumento, porém, é inconvincente, sobretudo para os jovens, indispostos a aguardarem várias décadas pelo benefício de reduzida aposentadoria, e ansiosos para alcançarem sucesso em carreira pessoal, ligada à exploração dos recursos da moderna tecnologia da informação.

O uber, o PJ, a diarista, são bons exemplos dos trabalhadores que aspiram ganhar a vida em ambiente de liberdade. Devemos deixá-los em paz.

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