Home / Opinião / O índice de Gini e a autoajuda estatística – por Rubens Figueiredo

O índice de Gini e a autoajuda estatística – por Rubens Figueiredo

A desigualdade diminuiu, mas Rubens Figueiredo aponta: o Brasil é com o um paciente no qual os glóbulos vermelhos melhoraram, mas ainda sofre com hérnia de disco, esquizofrenia, hipertensão…

Nas últimas semanas, o Brasil, como um coach de si mesmo, entrou em clima de autoajuda estatística. Manchetes celebravam: “desigualdade cai”, “renda melhora”, “Gini atinge melhor nível em 20 anos”. De repente, tudo se tornou lindo, divino, maravilhoso.

É fato: a desigualdade medida pelo coeficiente de Gini caiu entre 2005 e 2025. Tecnicamente, somos menos desiguais. Mas o caminho que percorremos até aqui diz muito sobre o nosso atraso e quase nada em termos de avanço civilizatório.

Boa parte da melhora no Gini não veio de um salto de produtividade, inovação ou impulsionamento tecnológico. É consequência da ação do direta do Estado: aumento de gasto social, programas de transferência de renda, reforço do salário-mínimo, auxílios emergenciais, expansão de benefícios. É o Tesouro atuando como aquele tio legal que, no lugar de estimular o sobrinho a estudar, dá uma mesada para que ele continue sobrevivendo sem perspectivas. A desigualdade cai, mas à base do gasto do tio — não de transformação estrutural.

Enquanto isso, a conta se acumula. A dívida pública líquida (descontadas as reservas) há 20 anos era de U$ 392 bilhões. Hoje bate U$ 1 trilhão. Se dividirmos a dívida pública pela população, descobrimos que cada brasileiro “deve” hoje U$ 4.700, mais de duas vezes os U$ 2.130 que devia em 2005. Ou seja: estamos estatisticamente menos desiguais, mas muito mais pobres.  A dívida per capita subiu, o PIB rasteja (em 30 anos, o PIB do mundo cresceu três vezes mais do que o nosso) e o desequilíbrio fiscal ficou ainda mais desequilibrado.

E aí entra o elemento que raramente aparece nas análises: o endividamento privado. De 2005 para cá, o endividamento das famílias com o sistema financeiro saltou de algo em torno de 30% para perto de 50% da renda anual. Quase 80% das famílias declaram ter dívidas em 2025; cerca de um terço está inadimplente. É simples: quem deve 50% do que ganha recebe 50% daquilo que declara que ganha.

Nos países desenvolvidos, o cidadão tende a se endividar para comprar casa, financiar estudos, abrir negócio — dívida que pode se transformar em patrimônio, educação, capacidade de gerar renda. Vira esperança e futuro. No Brasil, a dívida é para pagar supermercado, luz, remédio, mensalidade, roubos do INSS, boleto atrasado. A gente paga o juro do juro do juro do cartão rotativo, aprendendo na prática o conceito de progressão geométrica. Vira ansiedade e fracasso.

A cereja do bolo: nossos juros são os mais altos do planeta, enquanto mantemos um déficit habitacional dantesco, que convive com favelas, adensamento precário e insegurança urbana. Em resumo: endividamo-nos como estratégia de sobrevivência, pagamos juros como se fôssemos milionários e vivemos como pobres.

Soltar foguetes quando um indicador melhora faz parte do jogo. Os governos estão aí para isso – e o PT é especialista em espetáculos pirotécnicos. Mas precisamos verificar o “quadro clínico” da economia e da sociedade. O índice de Gini é simples e consagrado. É uma espécie de medida de hemoglobina. O Brasil é aquele paciente no qual os glóbulos vermelhos deram uma melhorada, mas que tem hérnia de disco, esquizofrenia, hipertensão, espirra nos outros, tosse até assustar os circunstantes e repete as mesmas perguntas várias vezes ao dia.

Marcado:

Sign Up For Daily Newsletter

Stay updated with our weekly newsletter. Subscribe now to never miss an update!

[mc4wp_form]

Deixe um Comentário