No tabuleiro das paixões políticas que cegam, o PT – que sempre jurou ser tão diferente – mostra-se, mais uma vez, tão igual a tudo que ele prometera combater. O presidente Lula fez um discurso, na noite do último domingo (28), no qual enalteceu, em 18 meses de mandato, a vitória da democracia sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro do ano passado, quando bolsonaristas radicais escancararam a que vieram ao mundo.
Na visão do “bolsonarismo raiz”, o “grande líder” está sempre muito acima do bem e do mal, da visão republicana, das instituições, do respeito pelo bem público, mesmo que esse “grande líder” seja, com o poder nas mãos, lobista do desmatamento, anti-vacina, desrespeitoso com a dor alheia, simpático à ideia de “passar a boiada” e, assim, afrouxar a legislação ambiental e o uso de agrotóxicos banidos na Europa e nos Estados Unidos que estão por aí, à nossa mesa…
Diz o ditado que o tempo é o senhor da razão. Mais que isso, a história cobra. E cobra coerência, embora a política seja palco de infinitas incongruências históricas. Prestes, só para exemplificar, estendeu a mão ao Queremismo que reconduziu Vargas ao poder… E Vargas “ajudou a mandar” Olga Benário a um campo de concentração (Bernburg), onde ela foi morta em abril de 1942. Será mesmo que questões pessoais devem estar à margem de temas políticos arenosos quando essa linha é tão tênue?
No Brasil de hoje, quem imaginaria, por exemplo, que Ciro Gomes – sempre verborrágico, destemperado, casuísta e desequilibrado – sairia em defesa do governador Ronaldo Caiado, a quem elogiou publicamente na semana passada? Quem imaginaria que Jair Bolsonaro, com uma ironia sagaz, entraria no coro da crítica – vejam só – que Nicolás Maduro fez ao sistema eleitoral brasileiro? Na política, a dança dos extremos aproxima os diferentes e acaba por torná-los menos desiguais do que eles parecem ser à primeira vista – bolsonaristas e petistas seguem míopes nesse sentido. Lembrando que o TSE foi conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes e que o prefeito de Farroupilha, Fabiano Feltin (PL), na semana passada, sugeriu guilhotina para o ministro do STF. Guilhotina em tempos de Olimpíada em Paris… A que ponto chegamos.
O PT não consegue ter padrões ideológicos isonômicos quando a defesa da democracia esbarra no “núcleo de amigos ideológicos próximos”, como Nicolás Maduro. A elasticidade do olhar petista para amigos corrói o próprio PT e ajuda a fortalecer a visão anti-republicana que o próprio PT tanto critica e diz primar.
Numa eleição cercada de suspeição e diante de um papel internacional que contempla a diplomacia incapaz de interferir em assuntos internos de outra nação, o Partido dos Trabalhadores, mais uma vez, desperdiçou a chance de fazer história. Democracia, e o presidente Lula tem batido nessa tecla, é algo que tem de estar acima de quem está no poder; é algo que tem valor social, cultural, político e humanitário.
Ao se calar diante das infinitas suspeitas sobre o processo eleitoral na Venezuela, o PT – candidato a protagonista – se torna diminuto porque “dinastia de amigo é algo que a gente faz de conta que não vê e passa pano”. E neutro, ensinava Max Weber, é quem já se decidiu pelo lado mais forte. Quanto tempo o PT levará para aprender que não existe “ditadura boa” e que não existe dinastia democrática? Ou será que não aprenderá e passará incólume por esse capítulo da história? Que pena, Lula.
Wagner Belmonte é jornalista e professor universitário.