O portal eletrônico da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT) acaba de publicara aprovação da Lei nº 14.846, de 24/4/2024, que acrescenta o inciso IX ao art. 200 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a seguinte redação: “trabalho realizado em arquivos, em bibliotecas, em museus e em centros de documentação e memória, expostos a agentes patogênicos”.
A lei está sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o referendo da ministra da Saúde, Nísia Verônica Trindade Lima, e do ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
Alvíssaras, diria o conselheiro Pacheco (José Joaquim Alves Pacheco), personagem imortal de Eça de Queiroz. Finalmente, o governo do presidente Lula produziu algo capaz de lhe garantir lugar de destaque,na história da humanidade.Operosos funcionários de antigos arquivos, seculares bibliotecas, monumentais museus, centros de documentação e memória, foram lembrados e se encontram, a partir de hoje, protegidos contra agentes patogênicos responsáveis pela insalubridade nos locais onde trabalham.
Para quem ignora, o art. 200 da CLT determinam caber ao Ministério do Trabalho “estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo (Da Segurança e Medicina do Trabalho –Das Outras Medidas de Proteção), tendo em vista a peculiaridade de cada atividade ou setor de trabalho”. O dispositivo se desdobra em oito incisos, os quais se referem a medidas de proteção em obras de construção, demolição ou reparos, depósitos, armazenagens e manuseio de combustíveis, inflamáveis e explosivos, trabalham em escavações, túneis, galerias, minas e pedreiras, sobretudo quanto à prevenção de explosões, incêndios, desmoronamentos e soterramentos, e assim por diante.
Assim como eu, o leitor atento encontrará dificuldade em admitir semelhança entre calmas e silenciosas atividades em austeras bibliotecas, museus, centros de documentação, escavações, túneis, galerias, em contato permanente com explosivos e inflamáveis.
Observa-se no governo federal obsessiva preocupação com a ampliação e complicação da legislação trabalhista. Bom exemplo são as Normas Regulamentadoras, aprovadas mediante portarias do Ministério do Trabalho. Examinando-se, por exemplo, a Norma Regulamentadora nº 4 (NR 4), aprovada pela Portaria MTb 3.214/1978, cuja última atualização foi feita pela Portaria nº 2.318/2023, observamos não existir, para o Ministério do Trabalho, qualquer atividade humanaisenta de algum grau de risco. Observe-se, a inocente produção de sorvetes. Está enquadrada como risco de grau 3, ou seja, 75%, em escala que varia de 1 a 4.
Seria mais simples, para não dizer obrigatório, impedir a presença de agente patogênicos em livros, papéis e documentos arquivados para serem lidos e consultados por pesquisadores, estudantes ou meros interessados em lhes conhecer o conteúdo, com periódicas medidas de higienização por empresa especializada.
O Brasil é país pobre em bibliotecas, livrarias, arquivos, gabinetes de leitura. Mesmo as poucas bibliotecas existentes, têm escassa frequência de jovens e idosos habituais. Jornais, revistas, livros impressos, vão sendo substituídos por edições eletrônicas, divulgadas pela internet, com graves prejuízos para a proteção da memória.
O Ministério da Saúde registra casos de funcionários ou leitores contaminados por agentes patogênicos desenvolvidos no interior de museus e bibliotecas? Jamais ouvi falar. Grandes inimigos de livros são as traças, nome comum de algumas espécies de pequenos devoradores de papel. Para eliminá-las, basta pulverizar a estante com aerossol adquirido em qualquer supermercado. Não há necessidade de inspeção e autuação por Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho.
Em meu escritório tenho centenas de livros. Outros tantos em estantes na residência. O Ministério do Trabalho possui biblioteca, por mim frequentada quando era ministro. O mesmo aconteceu no Tribunal Superior do Trabalho. Nunca soube da presença de agentes patogênicos, que representassem perigo à saúde dos frequentadores e funcionários.
Bibliotecas constituem patrimônio cuidadosamente zelado por ciumentos proprietários. Quem não aprecia livros não os coleciona. Bibliotecas públicas, como a de São Paulo, ou da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, são cuidadas por bibliotecárias e funcionários devotados. O perigo maior é o de terem volumes não devolvidos por leitores descuidados.
A lei em referência pertence à nociva espécie das legislações feitas no vácuo. Como escreveu Oliveira Vianna, integra o “reino das normas abstratas”, em desacordo com a realidade.