Karl Marx ficou conhecido no mundo todo como notório revolucionário. Esta frase abre o livro Karl Marx, grandeza e ilusão, do historiador Gareth Stedman Jones, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Berilo Vargas.
A grande contribuição de Marx para os estudos de Economia Política consiste na discussão do conceito de mais valia, que podemos definir breve e imperfeitamente como a subsunção real do trabalho ao capital. Dito de outra maneira, é a parte do trabalho prestado pelo empregado, retida pelo empregador, em benefício da empresa (pág. 429).
Segundo a teoria marxista, se a metade de um dia de trabalho basta para manter o trabalhador operante, o empregador se apropria da outra metade, tomando a parcela de que necessita para dar continuidade ao negócio.
A taxa de apropriação é variável. Adapta-se à pessoa e qualificação do empregado, às necessidades do empregador, às condições variáveis do mercado. Nunca, porém, se aproxima de zero. Se declina de maneira acentuada, algo está errado e pode resultar no encerramento do negócio ou no desligamento de assalariados.
Quando na negociação coletiva a empresa se vê obrigada a ceder certa porcentagem da mais valia, de imediato
procurará recuperá-la, em geral mediante aumento de preços.
O Joaquim da padaria jamais leu Marx. Tampouco o latifundiário, cultivador de soja ou de cana-de-açúcar. Ambos, porém, colocam em prática instintivamente a teoria da mais valia, como condição essencial à sobrevivência e desenvolvimento da empresa, grande, média ou pequena.
Considerando-se que a mais valia, ou lucro, está presente em todos os contratos de trabalho, a melhor definição de empregado seria: “Empregado é a pessoa física que presta serviços subordinados a empregador, sob a dependência deste, mediante salário, para lhe dar lucro”.
Desde a primeira Revolução Industrial, com o aparecimento da empresa e da classe operária, empregadores e
trabalhadores porfiam em torno da fatia reservada à mais valia. Os empregadores com os olhos voltados para os índices de produtividade, dos quais dependem os lucros. Os trabalhadores em busca de aumento dos salários. Ambos sabem, porém, ou deveriam saber, que a porcentagem referente à mais valia não deve colocar em perigo a continuidade da empresa, pois dela depende a conservação dos empregos.
O empresário zela para que a produtividade do negócio se mantenha em nível elevado. Decrescendo, desejará identificar os motivos. Se a responsabilidade cabe à má administração interna, ao obsoletismo do maquinário, à baixa produtividade da mão-de obra. Seja qual for a causa, se não a descobrir e reverter marchará para a recuperação judicial ou para a falência.
O envelhecimento tem provocado o desaparecimento de empresas e de conglomerados empresariais. Foi o que aconteceu com a IRF Matarazzo, levando consigo milhares de postos de trabalho e deixando largo rastro de desesperanças e dívidas.
Com o PJ, pessoa jurídica individual, as coisas se passam de maneira diferente. Como autônomo, não tem empregador. Dele exclusivamente depende o resultado diário do trabalho. Tome-se como exemplo o proprietário do automóvel ou caminhão com o qual trabalha. Para cada corrida ou viagem combina o preço com o contratante. Concluído o serviço será pago. O ganho é seu. Trabalhará dentro do horário que quiser, segundo a sua melhor conveniência. O mesmo sucede com o proprietário da pequena marcenaria ou oficina mecânica da periferia que não tem empregados ou, se os tem, não os registra. É comum encontramos advogados bem-sucedidos, na condição de PJ, que se recusam a ser empregados.
No valor que negociam não está incluída a parcela que corresponderia à mais valia. Por essa razão o serviço é mais barato do que aquele da oficina, com um ou mais empregados registrados, aos quais o empregador pagará, por força de lei, décimo terceiro, férias, descanso semanal remunerado, horas extras, Previdência, FGTS. Quando perguntam ao PJ se deseja ser empregado, responde que prefere ser livre, sem se subordinar ou depender de
superiores hierárquicos. O PJ não é um mal para a economia, mas benéfico à sociedade. Um PJ a mais significa um desempregado ou desocupado a menos.
Espera-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) se dedique ao assunto com olhos e ouvidos voltados à realidade, sem se deixar levar por interesses corporativos.
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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.