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O serviço público como motor de mobilidade social no Brasil – por Antonio Tuccilio

Em um país de desigualdades profundas, o serviço público sempre foi mais do que uma estrutura administrativa, sendo um dos raros caminhos capazes de promover verdadeira mobilidade social. Por meio do concurso público, o Brasil construiu um modelo que permite que o mérito e o esforço individual superem as barreiras impostas pela origem social. Enquanto o mercado de trabalho privado ainda depende fortemente de redes de contato, capital inicial ou oportunidades concentradas em grandes centros, o concurso público oferece um caminho claro e impessoal. É uma política de Estado que abriu portas para milhões de brasileiros que, pela via tradicional, dificilmente teriam alcançado estabilidade financeira e reconhecimento profissional.

Nas últimas décadas, essa forma de ingresso permitiu que o Estado brasileiro se tornasse mais plural e representativo. Filhos de agricultores, de servidores, de operários e de trabalhadores informais encontraram no estudo a possibilidade de mudar de vida e, ao mesmo tempo, de servir ao país. Carreiras como magistério, segurança pública, auditoria fiscal e gestão administrativa são exemplos de como o serviço público abriga histórias de superação e ascensão baseadas no mérito.

A estabilidade e o plano de carreira, frequentemente mal interpretados como privilégios, são na verdade instrumentos que asseguram autonomia e continuidade. Eles garantem que o servidor possa exercer sua função com independência técnica, sem se submeter a pressões políticas ou mudanças de governo. A estabilidade é também o que torna essas carreiras atrativas para pessoas de diferentes origens, oferecendo segurança e perspectiva em um país em que a informalidade ainda atinge cerca de 40% da população economicamente ativa.

A valorização do servidor, portanto, não é apenas uma questão corporativa. É uma política pública de combate à desigualdade. Ao dar previsibilidade e dignidade a quem serve ao Estado, o serviço público contribui para reduzir as distâncias sociais e fortalecer as instituições.

Nos últimos anos, no entanto, esse modelo tem sido alvo de propostas que, sob o argumento da modernização, podem alterar profundamente sua lógica de mérito e estabilidade. A mais emblemática delas é a Reforma Administrativa (PEC 38/2025), que prevê mudanças estruturais no regime de vínculos e carreiras.

Entre as medidas em debate estão a ampliação de cargos temporários e de livre nomeação, o que abre espaço para indicações políticas e contratações precárias, práticas que o modelo atual busca justamente evitar. Ao flexibilizar vínculos e reduzir garantias, corre-se o risco de transformar o serviço público em um ambiente instável, sujeito a interesses de ocasião. Essa lógica não apenas enfraquece a autonomia técnica, como também desestimula o ingresso de novos talentos. Afinal, sem segurança e perspectiva, o serviço público deixa de ser um projeto de vida para se tornar apenas uma ocupação passageira.

Modernizar a gestão é legítimo e necessário, mas modernizar não significa desmontar. A eficiência do Estado depende de servidores qualificados, comprometidos e protegidos contra interferências. A estabilidade, longe de ser um entrave, é o que permite que o servidor aja em defesa do interesse coletivo mesmo quando isso contraria interesses imediatos.

Mais do que discutir custos e estruturas, é preciso compreender o papel social que o serviço público cumpre na formação de um país mais justo. Ele não apenas sustenta políticas públicas, mas também representa um projeto de nação que reconhece o valor do esforço individual e da educação como caminhos de transformação. Preservar o concurso e a estabilidade é preservar essa promessa de mobilidade, de dignidade e de progresso que o serviço público sempre simbolizou para o povo brasileiro.

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