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Quando engolir a raiva custa caro: o impacto oculto no seu coração, cérebro e imunidade – por Cristiane Sanchez

Vivemos em um mundo que normalizou o acúmulo. Acumulamos tarefas, expectativas, notificações e, sem perceber, emoções que nos engolem. Entre elas, há uma que costuma se esconder bem, mas quando aparece, chega com força: a raiva. Você pode até não demonstrar, mas seu corpo sente. E isso tem um custo alto.

A raiva é uma emoção universal, tão humana quanto respirar. Ela não precisa ser gritada para existir. Às vezes, aparece como irritação sutil, um olhar entredentes, um silêncio cortante. Mas quando ela se instala como padrão, uma tormenta acontece por dentro. A ciência vem alertando: a raiva afeta o coração, o cérebro, os vasos sanguíneos e até a qualidade do nosso envelhecimento.

A emoção que acende o corpo

A raiva começa com dor. Pode ser a dor de uma injustiça, de uma frustração ou da sensação de ameaça. Nosso sistema nervoso interpreta esse desconforto como um ataque. Em segundos, o cérebro aciona o sistema simpático, que prepara o corpo para reagir. A adrenalina sobe, os batimentos aceleram, a respiração fica curta e os músculos se contraem.

É um processo natural e até protetor. Mas quando se repete com frequência, esse mesmo mecanismo, antes útil, se transforma em um gatilho silencioso para doenças sérias.

Coração em alerta

A ciência já mostrou que a raiva afeta o coração com mais intensidade do que outras emoções. Em um estudo publicado no European Heart Journal Open com mais de 47 mil participantes, pesquisadores descobriram que pessoas com episódios recorrentes de raiva têm risco elevado de insuficiência cardíaca, fibrilação atrial e mortalidade cardiovascular. E isso independe de outros fatores de risco, como colesterol ou diabetes.

A explicação está no efeito físico dessa emoção. Durante acessos de raiva, o coração bombeia sangue com menos eficiência. Há aumento de isquemia miocárdica, um déficit de oxigênio nos músculos cardíacos que pode levar a angina, infarto ou morte súbita.

Um episódio de raiva intensa pode aumentar em até 8,5 vezes o risco de infarto nas duas horas seguintes. Isso não é metáfora. É dado clínico.

Quando a raiva se instala, algumas reações são imediatas: as pupilas dilatam, os punhos se fecham, os vasos sanguíneos se contraem. Mas há um segundo estágio mais perigoso, que ocorre de forma crônica.

A raiva aumenta a produção de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), hormônios que elevam a pressão arterial e a frequência cardíaca. Ao mesmo tempo, ela ativa o sistema imune em excesso, gerando inflamação crônica e agregação plaquetária, fatores diretamente relacionados ao entupimento de artérias e ao risco de eventos cardíacos.

Guardar raiva faz mal?

A resposta curta é sim! Guardar ou explodir com raiva com frequência tem efeitos parecidos no corpo. Estudos mostram que pessoas com traços persistentes de hostilidade têm três a seis vezes mais chance de desenvolver doenças cardíacas ou sofrer infarto.

O problema não está em sentir raiva, mas em não saber o que fazer com ela. Quando ela se torna hábito, molda até o funcionamento dos órgãos. No fígado, por exemplo, ela altera a produção de enzimas. No estômago, desequilibra a acidez. No cérebro, interfere nos circuitos ligados ao autocontrole.

E a mente, como fica?

Raiva crônica e saúde mental andam juntas. Estudos associam altos níveis de raiva a transtornos como ansiedade, depressão, burnout e ideação suicida. Isso se intensifica quando a raiva se mistura com ressentimento, culpa ou vergonha.

Um dos equívocos mais comuns é acreditar que expressar a raiva de forma agressiva traria alívio. A tal “catarse”. Porém, um estudo publicado no Personality and Individual Differences mostrou que desabafar com gritos, socos ou explosões verbais aumenta ainda mais a raiva e a reatividade fisiológica, em vez de acalmar.

É como tentar apagar fogo com gasolina. O corpo sai ainda mais em alerta.

A saída pode estar na escrita

Nem sempre conseguimos falar o que sentimos, mas podemos escrever. Em um estudo com pacientes que convivem com dor crônica, os participantes foram convidados a escrever sobre suas emoções. O resultado foi surpreendente: menos dor, mais controle emocional e menos reatividade.

A diferença não está em desabafar, mas em organizar a experiência com palavras. Isso muda como o cérebro interpreta o que foi vivido. É o que os autores chamam de construção de significado.

O perdão não é desculpa

Se você torceu o nariz para essa palavra, tudo bem. Ela também tem sido usada de forma simplista demais. Mas o perdão, no sentido mais profundo, é uma libertação do ciclo fisiológico da raiva. Não é esquecer, tampouco justificar. É soltar o laço que mantém você preso a quem ou ao que te feriu. O perdão não é sobre o outro, mas sobre permitir que o corpo descanse da luta interna.

Estudos mostram que o perdão reduz a frequência cardíaca, a pressão arterial e a resposta ao estresse. Pessoas que adotam uma postura indulgente em vez de implacável diante de ofensas vivem mais, têm menos eventos cardíacos e dormem melhor.

Na medicina chinesa, a raiva é considerada uma emoção que afeta diretamente o fígado. Quando a energia do fígado está estagnada, surgem sintomas como dor de cabeça, tensão muscular, irritabilidade, distúrbios menstruais e problemas digestivos. Nada disso é coincidência.

A sabedoria oriental entende que a raiva não é um problema moral, mas energético. Ela bloqueia o fluxo do Qi, a energia vital. E, para tratar a raiva, é preciso mais do que controle. É preciso liberar.

A acupuntura atua como uma ponte entre o corpo e as emoções. Ao estimular pontos específicos, ela ativa o sistema nervoso parassimpático, que regula o estado de alerta e promove relaxamento. Também reduz níveis de cortisol, melhora a variabilidade da frequência cardíaca e influencia positivamente mediadores inflamatórios.

Muitos pacientes relatam, após sessões, um tipo de alívio que não sabem nomear. É como se algo se abrisse por dentro. E não é placebo. É neurobiologia em ação.

A acupuntura nos devolve ao eixo. Ela ensina o corpo a lembrar o caminho de volta.

A raiva tem sua função, sua força e sua dignidade. Mas é preciso aprender a reconhecer quando ela deixou de proteger e passou a adoecer. Ela tem raízes antigas, cresce rápido e, se não for cuidada, pode criar galhos que nos afastam de nós mesmos. Quando ignorada, ela se instala, não apenas na mente, mas também no corpo. Sufoca o coração, endurece os músculos, altera a respiração, intoxica o fígado e exaure os recursos emocionais. Ela se apresenta como defesa, mas, muitas vezes, esconde uma dor que ainda não soubemos nomear.

Primeiro, ao invés de apontar o dedo para fora, podemos assumir a responsabilidade por esse sentimento. Depois, é preciso desenvolver um olhar mais atento para os hábitos da mente, o desejo que quer controlar, a aversão que repele o que incomoda, a ignorância que nos impede de ver o todo. Por fim, com prática e cuidado, podemos aprender a atravessar esse estado sem nos perder dentro dele. Respirar antes de explodir. Observar antes de julgar. A raiva, assim, deixa de ser um vulcão prestes a romper e passa a ser um termômetro: sinaliza, mas não precisa comandar.

Se você vive em estado de irritação constante, se explode por coisas pequenas ou se sente tenso mesmo em silêncio, pode ser hora de desacelerar, escrever, respirar, buscar ajuda. Pode ser hora de tocar pontos que doem, mas que libertam. Porque a raiva não precisa ser o lugar onde você mora.

Referências

  1. Malin, A., et al. (2022). Anger and risk of cardiovascular disease. European Heart Journal Open.
  2. Bushman, B., 2002, “Does Venting Anger Feed or Extinguish the Flame?,” Personality and Social Psychology Bulletin, Vol. 28, No. 6, pp. 724-731.
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  2. Verywell Health. (2024). What Anger Does to Your Body.
  3. Williams, J. E., et al. (2000). Anger and Hostility Predict the Development of Coronary Heart Disease in the Framingham Offspring Study. Psychosomatic Medicine.
  4. Verona, E., et al. (2008). Reactivity and Recovery in the Context of Affective Traits. Personality and Individual Differences.
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  6. Lawler, K. A., et al. (2005). The health benefits of forgiving. American Psychological Association.
  7. Hui, K. K., et al. (2005). Acupuncture, the limbic system, and the anti-inflammatory pathway. Autonomic Neuroscience.
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