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Reforma Administrativa: Limites fiscais, centralização e os riscos que se aprofundam – por Antonio Tuccilio

A discussão sobre a Reforma Administrativa segue avançando com novos elementos que merecem atenção. Entre eles está a consolidação de um modelo fiscal rígido para todos os entes federativos. A proposta prevê limites uniformes de despesa com pessoal, desconsiderando diferenças regionais, demográficas e sociais. Essa padronização cria um problema imediato, pois estados e municípios com realidades completamente distintas passam a operar sob a mesma trava. Municípios pequenos, por exemplo, onde o gasto com pessoal representa a espinha dorsal dos serviços essenciais, tendem a enfrentar restrições graves de contratação e reposição de profissionais.

Estudos recentes já alertam que esse modelo tende a reduzir a capacidade de resposta do Estado em áreas estratégicas. No SUS, onde milhares de municípios operam com equipes enxutas, qualquer redução na possibilidade de contratação afeta diretamente a população. Na educação, a rotatividade é uma preocupação antiga, e impor limites de despesa sem considerar crescimento populacional compromete a continuidade pedagógica. A CNSP reforça que eficiência fiscal não pode ser dissociada da garantia de atendimento público.

Outro ponto sensível do debate é a concentração de decisões sobre gestão de pessoas. A proposta amplia o poder da União para definir regras e estruturas de pessoal para os demais entes. Isso gera um deslocamento perigoso, pois municípios e estados perdem flexibilidade para planejar suas equipes e adequá-las às suas necessidades específicas. A autonomia federativa, prevista na Constituição, não existe por acaso. Ela é a base para políticas públicas adaptadas às realidades locais.

Paralelamente, segue forte a retórica de combate aos supersalários. Dados divulgados neste mês mostram que o Brasil figura entre os campeões globais em remunerações acima do teto constitucional. Porém, ao observar o conjunto da proposta, fica evidente que esses cargos não são o foco. As carreiras atingidas são as de base, justamente aquelas que formam o corpo operacional do Estado. Ao mesmo tempo, os segmentos responsáveis pelos supersalários continuam praticamente intocados. A CNSP tem reforçado que, se o objetivo fosse realmente enfrentar privilégios, a proposta precisaria começar pelos cargos que concentram o maior impacto fiscal.

A ampliação de vínculos temporários e formas simplificadas de contratação também preocupa. Na prática, essas medidas fragilizam o concurso público, aumentam a rotatividade e reduzem a previsibilidade das equipes. A lógica do serviço público, que se apoia em estabilidade, impessoalidade e continuidade, entra em choque com estruturas baseadas em vínculos curtos e facilmente substituíveis. A experiência recente de diversos estados já demonstrou que equipes rotativas geram perda de qualidade, quebra de memória institucional e dificuldade de execução de políticas de médio prazo.

O desenho remuneratório proposto aprofunda esse cenário. A criação de tabelas mais uniformes, com pisos baixos e progressões condicionadas a indicadores fiscais, tende a produzir um amplo achatamento salarial. Carreiras técnicas que exigem alto grau de especialização tornam-se menos atrativas. Países que reduziram drasticamente a atratividade do serviço público enfrentaram evasão de quadros qualificados. Isso é um risco concreto para o Brasil caso esse modelo seja adotado.

A CNSP entende que o país precisa discutir melhorias na administração pública, mas reforça que reformas estruturais devem fortalecer a capacidade do Estado, e não desidratá-la. O que está em jogo não é apenas a vida funcional dos servidores, mas o funcionamento de políticas públicas que sustentam saúde, educação, segurança, fiscalização e direitos sociais.

Por isso, o momento exige mobilização contínua. É fundamental que servidores, entidades e sociedade pressionem o Parlamento para que a proposta seja revista, corrigida ou rejeitada. A simplificação dos problemas e a ênfase exclusiva no ajuste fiscal não podem guiar mudanças que terão efeitos duradouros sobre o país. O serviço público é uma rede essencial de proteção social, e seu enfraquecimento recai diretamente sobre o cidadão.

A CNSP reafirma seu compromisso com uma reforma que busque eficiência com justiça, responsabilidade e valorização de quem serve à população. Qualquer caminho fora disso coloca em risco a estrutura que sustenta o Estado brasileiro.

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