Pouco mais de dois anos da Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), estudos continuam a apontar o crescimento do número de superendividados no Brasil. No ano de 2023 este número chegou a 14,7 milhões de indivíduos, conforme o Banco Central. Apesar da inovadora e prática legislação, o problema social do superendividamento necessita de uma conjugação de diversas estratégias, não somente legislativas.
A própria sociedade e os setores produtivos, especialmente o varejo e fornecedoras de crédito, necessitam adotar posturas cada vez mais proativas diante da legislação vigente, a fim de garantir que seus efeitos sejam sentidos e refletidos na sociedade.
Para dar concretude à Lei do Superendividamento, fornecedores de crédito e de vendas a prazo necessitam assimilar os preceitos legais e os incutir nos seus processos internos, desde o desenvolvimento de um novo produto ou serviço, na oferta e publicidade e no atendimento ao consumidor antes e após a entabulação do contrato. Dessa forma, faz se necessário começar entendendo como a legislação busca viabilizar a prevenção e tratamento do superendividamento.
O legislador tem como pressuposto de que o tratamento do superendividamento começa a partir do momento em que o consumidor é exposto às práticas comerciais, desde o momento da oferta, perpassando pela contratação e execução do contrato. No primeiro momento, quanto mais informações claras e precisas o consumidor tem do negócio, pressupõe-se que terá melhor autonomia, inclusive para recusar adquirir produtos ou serviços que o coloquem em situações de inadimplência.
Isto é representado logo no artigo 54-B, introduzido no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Está posto que os fornecedores de produtos ou serviços que envolva crédito ou financiamento já são instados a prestar informações prévia e adequadamente ao consumidor, tais como preço, montante de juros de mora e taxa efetiva anual de juros, acréscimos legais, número e periodicidade das prestações e soma total a pagar, com e sem financiamento, nos termos do art. 52. No entanto, a legislação em questão amplia tanto o rol de fornecedores obrigados a prestar tais informações, na medida em que agora se estende a quaisquer venda a prazo, bem como a quais informações deverão ser prestadas.
Outro ponto a ser destacado é que a legislação igualmente revela como de salutar importância não só quais informações o consumidor deverá receber, mas também quais condutas devem ser evitadas pelos fornecedores com relação à omissão ou confusão (impor dificuldade de compreensão) de dados importantes e que podem influenciar na tomada de decisão.
O artigo 54-D inova ao prever expressamente sanções que poderão ser judicialmente impostas aos fornecedores ou intermediários que descumprirem os deveres de informação e conduta, prescritos desde o momento da oferta do crédito, publicitária ou não, previamente a contratação. Descumprido os preceitos legais e conforme a gravidade da conduta, poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
Saltando para a situação do tratamento do superendividamento, a legislação inaugura o direito ao processo de repactuação de dívidas, como uma recuperação judicial assim como ocorre para empresas, na qual o consumidor poderá firmar um plano de pagamento das dívidas junto a todos os seus credores. Igualmente, garante ainda ao consumidor que instaure o processo de repactuação de dívidas via conciliação administrativa, junto aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Em ambas as situações, o plano de pagamento de repactuação das dívidas fica condicionado à abstenção, pelo consumidor, de condutas que agravem sua situação de inadimplência e superendividamento.
A luta pela diminuição do número de consumidores em situação de superendividamento é uma causa justa que impulsiona os setores produtivos para um bem comum. Dessa forma, visualiza-se que o tratamento do problema deve visar, conforme a cartilha sobre superendividamento do consumidor editada pelo CNJ: “a) garantir a informação e os esclarecimentos específicos que a concessão de crédito e a compra a prazo exigem; b) analisar as ações de marketing e evitar o assédio de incentivo ao consumo; e c) assegurar a cooperação e o cuidado com os consumidores leigos, por intermédio da aplicação de normas que combatam as práticas comerciais abusivas e as fraudes, o aproveitamento da fraqueza e da vulnerabilidade do consumidor”.
*Lucas Anjos é advogado, pós-graduando em compliance, auditoria e controladoria pela PUC-RS, associado ao escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados, atuante no consultivo empresarial, franchising, imobiliário e consumidor.