Os últimos dias nos permitiram conhecer a apoteose do encerramento dos monumentais Jogos Olímpicos de Paris, seguido pelo trágico voo do ATR 75-200 da Voepass Linhas Aéreas, que decolou de Cascavel rumo a Guarulhos na última sexta-feira, com 58 passageiros e quatro tripulantes a bordo, todos mortos. Às famílias em luto, meus sentimentos de profundo pesar.
Na segunda-feira, o falecimento do ministro Antônio Delfim Netto (1928-2004) repercutiu na imprensa, pelo que fez durante a ditadura militar na administração da economia, e como protagonista nas esferas da política.
Sobre as Olimpíadas deixei registrada a minha opinião. A participação do Brasil foi pífia. Somos o quinto maior país em extensão no mundo, perdendo, apenas, para a Rússia, Canadá, China e Estados Unidos, e o sétimo em número de habitantes, abaixo da Índia, China, Estados Unidos, Indonésia, Paquistão, Nigéria.
Em número geral de medalhas, porém, ficamos no 20º lugar. Ganhamos 3 de ouro, 7 de prata, 10 de bronze. Fomos superados pela Irlanda, Noruega, Quênia, Suécia, Espanha, Hungria, Uzbequistão, Canadá, Nova Zelândia, Alemanha, Itália, Coréia do Sul, Grã-Bretanha, Holanda, França, Austrália, Japão, China, Estados Unidos. A maioria, países menores sob o ponto de vista de economia, terreno no qual já fomos o 6º, mas regredimos à 9ª posição.
De quatro em quatro anos as promessas de melhor desempenho olímpico se renovam, seguindo-se, contudo, novas decepções. Longe de mim criticar a performance dos atletas. Os problemas se encontram na falta de recursos, de correto planejamento, de infraestrutura à altura das necessidades e de organização. Somos um país onde não chegam a cinco os ginásios com modernas pistas de corridas e piscinas.
Enalteço o desempenho mesmo daqueles que não conseguiram se classificar para semifinais ou finais. Lutaram com os meios de que dispunham, animados pelo desejo de corresponder às expectativas da Nação. Poucos, como Rebeca Andrade, Alisson dos Santos, o Piú, Duda e Ana Patrícia, Isaquias Queiroz, Victória Borges, Beatriz Sousa, as meninas do vôlei, do futebol, o conseguiram. A maioria ficou pelo caminho. O modesto prêmio em dinheiro que deverão receber é pouco, diante dos esforços desenvolvido para subir ao pódio e ver tremular a bandeira do Brasil.
O desastre aéreo é mais um entre muitos com dezenas e até centenas de vítimas. Fatalidade, problema da aeronave, falha humana? Somente a perícia pelo Cenipa poderá responder. Quando ministro do Trabalho, me submetia a viagens áreas pelo menos duas vezes por semana; às vezes quatro. Jamais deixei de ter medo e nunca consegui entender como os aviões se sustentam no ar, a altura que alcançam e como se deslocam em alta velocidade. Antes de se condenar alguém, como em geral apressadamente se faz, é necessário aguardar pela perícia, tarefa complexa que consumirá vários meses.
Delfim Netto tem a vida e a trajetória política relatados de maneira objetiva no Volume II do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB), editado pela Fundação Getúlio Vargas em 2002 (páginas 1807-1813). Personalidade camaleônica, inteligente, culto, sagaz, adaptava-se com facilidades às alterações do cenário político. Dizia que o poder é afrodisíaco. Estive com ele duas ou três vezes. Impressionava-me a facilidade de argumentar na tentativa de seduzir.
Ao lado do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, assinou os Atos Institucionais números 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12,13, 14, 15, 16, 17, os seis primeiros baixados pelo presidente da República, general Costa e Silva. Os demais editados pelos ministros militares que, em 31/8/1969, tomaram o governo no impedimento do presidente Costa e Silva. Na opinião unânime dos brasileiros, o AI 5 foi a mais dura das medidas repressivas adotadas pela ditadura.
Como ministro chefe da Secretaria do Planejamento – Seplan (1979-1985), Delfim Neto agiu nos bastidores das negociações coletivas, durante as greves dos metalúrgicos de 1979 e 1980, para impedir a concessão do aumento salarial que colocaria fim às paralisações. Vale lembrar que em 1978, o economista Julian Chacel, da Fundação Getúlio Vargas, revelou estudos feitos pelo ministro Mário Henrique Simonsen, acusando-o de manipular os índices da inflação relativos a 1973, reduzidos de 24,8% para 14%, porcentagem oficial para correções salariais (DHBB, pág. 1.808).
“Sete anos depois da morte, quando todas as paixões perturbadoras se acham extintas, sem que se tenham perdidos os documentos essenciais, um juízo solene, cujo gérmen a sociologia toma à teocracia, vem irrevogavelmente fixar a sorte de cada um”, escreveu Augusto Conte. Deixemos o ministro Delfim Netto em paz. A história o julgará.
Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.