As cenas que tomaram o noticiário na última semana não devem ser tratadas como fatalidades ou fenômenos imprevisíveis da natureza; elas são parte de uma crônica da tragédia ou morte anunciada, crônica na qual o folclórico apresentador do Mundo Cão da Televisão fez papel ao entrar com a insólita argumentação de que não é necessário proteger a Amazônia. Pior: o filho dele é governador do Estado que sente na pele essas agruras, do povo de uma pequena cidade de 15 mil habitantes que viu a sua vida ser varrida do dia para a noite, drama que ele, Ratinho, resolveu demagogicamente contemporizar e relativizar.
As responsabilidades são claras, ainda que frequentemente silenciadas ou diluídas sob o discurso de “progresso” e “desenvolvimento econômico”, ou do desdém demagógico que ousa perguntar “para que serve a Amazônia”. No olho do furacão, está também o poderoso lobby do agronegócio, que há décadas pauta políticas ambientais, fiscais e fundiárias no Brasil — em especial, no Sul e no Centro-Oeste do país, sempre sob a bandeira nacionalista de prosperidade, orgulho e produção.
O Paraná, de Ratinho Jr, é um estado historicamente alinhado a discursos conservadores, marcado por uma elite rural forte, organizada e influente. Não por acaso, foi um dos principais polos do movimento separatista que, em diferentes momentos, defendeu a ruptura do Sul em relação ao restante do país, sob o pretexto nada nobre de que o Sul não tem responsabilidade sobre a miséria e a seca do Nordeste. Esse projeto, revestido de um discurso de eficiência administrativa e prosperidade regional, escondia — e ainda esconde — a recusa política de assumir responsabilidades diante das desigualdades históricas que grassam pelo País. A retórica da “terra que produz, trabalha e sustenta o país” serve para reforçar uma narrativa de superioridade econômica enquanto ignora os custos sociais e ambientais dessa mesma produção.
E é justamente nesse ponto que o agronegócio se coloca como protagonista. A propaganda vigente, amplificada por grandes bancos — principalmente privados (financiadores contumazes do agro porque interessa muito cobrar juros) — além de redes de mídia e conglomerados exportadores, é a de que expandir fronteiras agrícolas gera empregos, divisas e “alimenta o mundo”. A frase de efeito mais repetida é a de que o Brasil produz alimentos para mais de um bilhão de pessoas, sempre em tom de orgulho nacionalista. Mas pouco se fala sobre o preço disso: desmatamento acelerado, contaminação de rios por agrotóxicos, compactação do solo, expulsão de comunidades tradicionais e a redução dramática da biodiversidade.
O desmatamento, seja na Amazônia que Ratinho quer reduzir , no Cerrado ou na Mata Atlântica remanescente do Sul, não é uma variável abstrata. Ele reduz a capacidade do solo de absorver água, altera ciclos de evapotranspiração, intensifica ondas de calor e aumenta a frequência e intensidade de tempestades e inundações. A ciência é clara. Eventos climáticos extremos não são coincidências; são consequências, consequências de gente da fina estirpe de Ratinho.
Ainda assim, o lobby do agro age como se o clima fosse apenas uma fatalidade e não uma construção coletiva definida por escolhas políticas. Enquanto isso, governos estaduais — inclusive o do Paraná — seguem flexibilizando licenças ambientais, premiando desmatadores com anistias e ampliando benefícios fiscais ao setor.
Quando a chuva cai torrencialmente e arrasta casas, pontes e vidas, diz-se que foi “a natureza”. Mas a natureza aqui tem CPF, CNPJ e bancada parlamentar. Tem financiamento de campanha, nome em placa de rodovia e tribuna garantida no horário nobre.
A tragédia climática no Paraná não é um acidente isolado. É o resultado direto de um modelo econômico que prioriza lucro no curto prazo e externaliza prejuízos para a sociedade. Enquanto a prosperidade for medida em sacas exportadas e não em vidas preservadas, estaremos condenados a repetir o ciclo: desmata-se hoje, chora-se amanhã.
É preciso dizer com todas as letras: tragédias climáticas têm o DNA do agro. E reconhecer essa variável assassina é o primeiro passo para interromper um projeto que, enquanto promete alimentar o mundo, está destruindo o futuro de quem vive nele. Passou da hora do agro pagar a sua conta genocida.










