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Dois cenários preocupantes da atualidade: criança adultizada, adulto infantilizado – por Bruna Gayoso

Vivemos um tempo em que duas realidades preocupantes se cruzam: crianças que estão sendo empurradas para a vida adulta cedo demais e adultos queregrediram emocionalmente, presos em comportamentos infantis que comprometem sua saúde mental e seus relacionamentos. É uma era de inversão, onde nada está no seu lugar.

Crianças estão sendo expostas nas redes como se fossem adultas. São filmadas, fotografadas e transformadas em conteúdo sem compreender o que isso significa. Crianças vestidas como adultos, posando como adultos, frequentando ambientes que não têm preparo emocional nem neurológico para estar. Crianças sem limite, sem rotina, sem hora para dormir. Muitas passam madrugadas diante das telas: televisão, celular, séries, vídeos. Criança não deve escolher se vai ou não à escola no dia seguinte. Ela precisa entender que existe hora de descansar, hora de acordar e hora de cumprir o que faz parte da vida real. Criança precisa de ritmo, de estrutura, de orientação. Não de autonomia emocional que ela ainda não tem maturidade para sustentar.

Mas existe um ponto ainda mais profundo nesse processo: muitas crianças não estão apenas sem rotina; estão ocupando lugares emocionais que não pertencem a elas. É aqui que o Complexo de Édipo entra como um alerta silencioso. Quando falta clareza entre o papel dos pais e o papel dos filhos, a criança se aproxima demais emocionalmente de um dos cuidadores, tentando preencher um espaço que o adulto deixou vazio. Às vezes vira confidente, apoio emocional, “parceiro” afetivo. Outras vezes disputa, de forma inconsciente, o espaço de um dos pais. Isso desorganiza o desenvolvimento, confunde limites e faz a criança carregar uma carga que não é dela. Onde faltou limite, sobrou dor. Onde faltou adulto, sobrou ansiedade.

Essa desorganização não se resolve sozinha. A criança que vive um papel que não deveria vira o adulto que não encontra o seu. E assim chegamos a outra ponta do problema: adultos infantilizados. Gente que não teve espaço para ser criança, que precisou amadurecer cedo demais e agora se perde dentro da própria vida. Adultos sem rotina, sem disciplina, sem capacidade de lidar com frustração. Pessoas que vivem diante das telas para fugir de si mesmas, que não conseguem sustentar desconforto, que transformam qualquer limite em ofensa pessoal.

Quando recebem um “não”, desmoronam. Quando são criticados, entram em pânico. Quando precisam lidar com a realidade, adoecem. E, nos relacionamentos, muitos se comportam como crianças. Fecham a cara, fazem birra, punem com silêncio, dramatizam o que não foi atendido. Se o parceiro não faz exatamente o que desejam, já fazem um “beiço” do tamanho do mundo. É a imaturidade afetiva sendo romantizada como sensibilidade.

E há ainda a nova tendência da geração atual: adultos emocionalmente saudáveis que começaram a adotar comportamentos infantilizados porque a cultura romantiza irresponsabilidade. Como se fosse evoluído não querer trabalhar, não querer rotina, não querer compromisso. Como se fosse libertador viver apenas no impulso. Isso cria adultos que se recusam a crescer e chamam isso de autenticidade.

Tudo isso tem consequência direta. Nunca tivemos uma geração tão adoecida emocionalmente. Crises de ansiedade, pânico e depressão se tornaram frequentes não apenas porque o mundo é acelerado, mas porque muitos não desenvolveram a musculatura emocional necessária para lidar com ele. A criança que cresceu sem limite não sabe tolerar frustração. A criança que cresceu sem rotina não aprendeu constância. A criança que cresceu sem presença emocional não desenvolveu segurança interna. E, quando chega à vida adulta, qualquer desafio vira colapso.

A forma como uma criança vive define quem ela será. A base emocional não se improvisa na vida adulta. Ela é construída com limite, cuidado, presença e realidade. Quando essa base falha, o adulto carrega um corpo maduro e uma estrutura emocional infantil e isso abre portas para adoecimentos profundos.

Precisamos falar sobre isso sem medo. A infância mal estruturada e a cultura adulta que incentiva a regressão criam um ciclo perigoso. Estamos formando crianças que crescem rápido demais e adultos que crescem de menos. E ambos adoecem.

Crescer dá trabalho. Maturidade exige responsabilidade, frustração, escolhas difíceis e constância. Nenhuma dessas coisas é confortável, mas todas são essenciais para a saúde mental. Enquanto confundirmos liberdade com falta de direção, sensibilidade com fragilidade e autenticidade com irresponsabilidade, continuaremos criando adultos que não sustentam a própria vida.

Falar disso é um ato de cuidado. É lembrar que limite protege, rotina organiza, presença constrói e maturidade cura. Ser adulto é uma conquista. Ser criança é um direito. E respeitar cada etapa é o que garante que, no futuro, existam adultos que saibam, de fato, viver.

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