Cientista político Rubens Figueiredo faz um exercício de imaginação: coloca mestres do absurdo para analisar dois episódios da gestão pública brasileira
Vamos supor que alguma instituição muito respeitada – algo como uma ONU alternativa – resolvesse organizar um Seminário Mundial do Absurdo. Nesse encontro, seriam apresentadas situações esdrúxulas e distantes da racionalidade convencional que, durante milhares de anos, amparou o desenvolvimento da civilização. Cada país traria seus “cases”. Jurados de altíssimo nível e grande familiaridade com o tema escolheriam o vencedor.
A Inteligência Artificial, que tem conexões com o além, fica interessada pelo encontro, até porque, apesar de artificial, não tem nada de boba. E se oferece para montar um júri à altura da empreitada. Estarão presentes aqueles que mais entendem de absurdo: Franz Kafka, Samuel Becket, Charles Bukowski, Eugène Ionesco, Alice Cooper e Zé do Caixão. Circulando em volta da mesa onde se desenvolverão os trabalhos, com seus cocos imitando som de cavalgada, o grupo Monty Phyton.
Como se trata de um evento sobre o absurdo criado pela ONU alternativa, o Brasil teria o privilégio de abrir o evento. Nosso representante, de terno marrom e carregando uma pastinha de burocrata raiz, explicaria duas passagens da vida política nacional. A primeira delas versaria sobre os Correios. Ele explica tratar-se de uma empresa estatal, que em termos financeiros está transitando da UTI para a extrema-unção. Recentemente, a instituição tentou vender um imóvel, avaliado em R$ 322 milhões, por R$ 280 milhões.
O comprador foi uma a ONG CPM Intercab, dirigida por um líder religioso conhecido como Pai Jorge de Oxóssi, que coordena um terreiro na Ceilândia, ao lado de Brasília. Os Correios receberam um cheque de R$ 500 mil à vista após o resultado do “leilão” de um participante só. Mas o cheque inicialmente aceito não era do vencedor do certame. Era de uma outra empresa que não tinha nem sequer CNPJ.
Depois de algumas explicações aos jurados – o que é “terreiro”, o que significa Oxóssi, se faz sentido vender algo mais barato do que realmente vale e o que é a explicação lógica de se fazer um leilão com um participante só –, o expositor passou para o caso seguinte. Disse que existe uma empresa binacional chamada Itaipu, que é uma hidrelétrica controlada pelo governo de dois países, Brasil e Paraguai.
Pois bem, a Itaipu, no lugar de investir na geração de energia ou trabalhar para baixar o valor da conta que chega ao pobre consumidor, aventura-se em outras searas. Descobriu-se que mais da metade do orçamento de Itaipu é composta por gastos desconectados da sua função. A empresa destinou R$ 55 milhões para uma estatal que cuida de armazenamento de produtos agrícolas, R$ 752 milhões foram para uma Universidade Federal de desempenho pífio, R$ 250 milhões para indenização de indígenas, além de farta distribuição de verbas para 469 prefeituras do Paraná e Mato Grosso do Sul.
Percebe-se uma agitação entre os jurados. Bukowski pede outro whiskey duplo. Os integrantes do grupo Monthy Phyton começam a uivar e saltar como cangurus, em ritmo cada vez mais alucinante. Kafka pede a palavra e pergunta se os casos eram reais ou produtos da imaginação de uma mente dotada de uma capacidade única de conceber acontecimentos que se digladiam com a realidade cognitiva. Confirmada a veracidade das informações, o júri resolve entregar o prêmio Absurdo Mundial para a delegação brasileira, alegando “absoluta impossibilidade de competição”. Os demais países concordaram com a decisão. Nem a Venezuela reclamou. Kafta pede a palavra, segura o microfone e se transforma em uma barata. Está encerrado o encontro.










