A súbita mudança de conduta do senador Rodrigo Pacheco dava razões para ser vista como jogada ensaiada tipo “Faz de conta aí que eu faço de conta aqui”. Nessa perspectiva tudo fica mais compreensível, embora censuráveis as posições morais. O senador perdeu a esperança de uma cadeira no STF; Davi Alcolumbre quer tomar-lhe a cadeira de presidente do Senado em 2025; o governo de Minas Gerais é uma possibilidade remota se ele continuar surdo aos anseios da cidadania e inerte ante os excessos de um Supremo que perdeu a noção de limites. As opiniões sobre ele nas redes sociais certamente não o envaidecem.
Já para o Supremo, o que importa é que tudo fique como está e nenhum membro da confraria seja incomodado na estabilidade de seu poder e de seu cotidiano. Então, fica mais claro: 1) o Congresso aprova a PEC que restringe as decisões monocráticas, exigindo voto majoritário para sustar decisões e atos dos outros poderes; 2) o STF, em decisão que será amplamente majoritária (se não unânime), declara inconstitucional a emenda à Constituição aprovada pelo Congresso e pronto. Volta a reinar a paz nos cemitérios da soberania popular, embora seja muito estranho tomar do Congresso seu poder constituinte derivado da própria Constituição.
Se essa previsão estiver certa, o errado no processo é o ministro Gilmar Mendes, que, a pedido de Roberto Barroso, fez um discurso na abertura da sessão do Pleno para o qual o decano calçou chuteira e saiu dando canelada: “PEC proposta por pigmeus morais”, “O STF não é composto por covardes”. “O STF não aceita intimidações”, “O STF está pronto para enfrentar investidas desmedidas e inconstitucionais”. Até a pandemia, a cloroquina e a República de Curitiba entraram no seu arsenal retórico…
Pessoalmente, não me parece que o quadro seja de jogada ensaiada. Penso que estamos diante de uma crise real e inédita na história da República, tão habituada a impasses institucionais entre governo e parlamento. Desta feita, a crise se desenha entre o parlamento e o STF. É queda de braço. Rodrigo Pacheco já anunciou que vai indicar relator para outra PEC, a que limita em 15 anos o tempo do mandato dos ministros e fixa idade mínima de 50 anos para posse no cargo. Muito razoável, aliás.
Os constituintes criaram um sistema de freios e contrapesos em que os primeiros sempre estão emperrados e os segundos desbalanceados. A tais dificuldades acrescentou-se, no curso deste século, a composição politicamente alinhada e indisfarçável animosidade do STF em relação à opção política de dezenas de milhões de brasileiros. Às evidências e aos atos falhos precedentes, somam-se, agora, as afirmações ouvidas por jornalistas sobre os últimos incidentes e que não foram desmentidas. A frase “Acabou a lua de mel com o governo”, a palavra “traição” e a cabeça do senador Jaques Wagner estão na história destes dias.
Por maior que seja minha decepção com o atual Congresso, ela ainda é menor do que minha rejeição aos excessos, injustiças, discursos de ódio e exuberante protagonismo político assumido pelo STF nos últimos seis anos.
A estrutura institucional brasileira é uma geringonça que só nos leva a impasses e instabilidades políticas. Há quem faça delas muito bom proveito e, por isso, não se pensa em mudar. Mas saibam: são um urubu no nosso telhado.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.