Previsões históricas são tão inúteis quanto divertidas, enquanto exercício intelectual. Inúteis porque a maioria dos vaticínios naufraga, pois muitos dos fatos não são somente imponderáveis, mas implacáveis aos prestidigitadores. É assim na ciência, na economia e, principalmente, na política.
Como jornalistas e comunicadores vivemos de ansiedade, por outro lado. Logo, passo solenemente a descartar a premissa do parágrafo anterior. Por diletantismo e certa vaidade, vou arriscar prognósticos. Com a devida vênia, tomarei o tempo daqueles que têm prazer com os analistas — sem qualquer trocadilho.
Vamos falar de comunicação e eleições, essas efemérides bianuais em que projetamos o futuro do Brasil e, mais recentemente, da democracia. Primeiro palpite: teremos um 2024 com eleições municipais infernais. Uso de Inteligência Artificial para fins não-republicanos, candidatos nos grandes centros pegando carona na política de terra-arrasada advinda do Bolsonarismo, ausência total de discussão de programas e provavelmente uma certa escalada da violência em territórios ocupados pelo crime organizado como tentativa de influenciar as disputas.
O cenário vem conturbado desde 2014. A democracia no mundo tem sofrido os efeitos da aceleração provocada pelas tecnologias. As pessoas mudam a cada ano os comportamentos, o identitarismo tomou conta da esquerda, a direita avançou em extremismos antidemocráticos por uma total incapacidade dos aparatos institucionais de dar respostas às pessoas. O cientista político Marco Aurélio Nogueira tem chamado isso de hipermodernidade — uma aceleração no ritmo de vida acompanhada pelo despedaçamento dos grupos sociais que antes definiam de certa forma o debate público.
No fundo, o que se tem é um desafio de comunicação. Um nó górdio a ser desbastado sabe-se lá como. Gente de relações públicas e comunicação, neste cenário, teremos muitas oportunidades, principalmente de errar ao tentar obter respostas. O principal desafio ainda está em, para fortalecer a democracia, fazer com que o tema central seja as discussões programáticas — aquelas sobre os temas que interessam e que se perdem num cenário de frivolidades e fla-flu nas redes sociais.
Mas aí, voltemos às previsões. Teremos um ao quente, no sentido literal, que deveria estar refletido, nas eleições, os municípios devem se posicionar nos termos de uma nova economia, que segure empregos e não torne inviável a vida urbana, com excesso de calor e fumaça. Lei de zoneamento, reciclagem de lixo, preservação de mananciais e encostas, prevenção às chuvas e aproveitamento de recursos hídricos deveriam estar na ordem do dia de uma campanha.
Estarão? Minha aposta é que não. No lugar, clientelismo digital e ataques na esteira da polarização, principalmente nos grandes centros. Fulano é corrupto ou bolsonarista, fascista ou homofóbico? Isso realmente importa mais à turma da quinta série em que nos transformamos, sem dúvida.
Segurança pública é outro fator fundamental. Claro, é responsabilidade dos Estados e da União. Mas boa zeladoria urbana e políticas urbanísticas e habitacionais são parte inequívoca do problema. Ruas escuras, áreas urbanas degradadas e políticas de aproveitamento do solo pesam muito na proliferação da criminalidade. Saúde pública também, haja vista as cracolândias. Nunca vi isso ser discutido a sério, com a profundidade devida, em campanhas municipais, nem nos tempos em que a propaganda na televisão ditava os rumos da campanha… Aqui a previsão voltará a se autorrealizar, não acham?
As eleições municipais seriam igualmente uma ótima oportunidade para discutir o pacto federativo, a organização das cidades em consórcios metropolitanos. Vai rolar? Pule de dez nas apostas… parte dos candidatos e a plateia sequer sabem do que se trata. Estão mais preocupadas com as notícias do BBB.
As questões inequívocas se estenderiam por mais 2 mil caracteres. Não é o caso.
Minha aposta é que não conseguiremos avançar. Teremos leões e arenas. Mortos e feridos. Ao fim e ao cabo, um novo mapa geopolítico interno. E novas previsões para 2026, com o prazer dos analistas. E o deleite pela desgraça.
Lucas Tavares é jornalista, assessor de imprensa e sócio da Nêmesis Assessoria e Consultoria em Comunicação