Calma! Explico antes que o fato de o ex-presidente estar certo em ter convocado um ato em sua defesa não significa concordar com ele. Aqui se trata de uma análise da manifestação canarinho ocorrida no domingo, 25 de fevereiro, na histórica avenida Paulista.
Números sempre impactam, mas não são o fundamental na política. Outras grandes mobilizações populares tiveram centenas de milhares de pessoas e nem por isso resultaram em vitória. O exemplo mais simbólico foi a campanha das Diretas Já, que começou com um pequeno comício convocado pelo PT em frente ao estádio do Pacaembú, em novembro de 1983, e culminou no ano seguinte com dezenas de manifestações que percorreram o país reunindo milhões de pessoas.
Isto prova que quantidade não é qualidade nem garantia de vitória.
O ato em defesa de Jair Bolsonaro teve uma estratégia bem definida. Por isso o título desse artigo. Na sua condição de investigado por atos contra a democracia e tendo optado por ficar calado durante audiência na Polícia Federal, o cenário mais apropriado para o ex-presidente era falar ali mesmo para o seu público fiel que irá acompanhá-lo até o fim dos tempos, na alegria e na tristeza.
Assim, ao mesmo tempo que manteve uma oratória cordata onde chegou a propor uma “pacificação” do país, Bolsonaro terceirizou os ataques às instituições e aos seus adversários políticos na boca do pastor Silas Malafaia e do senador Magno Malta. Aliás, não será surpresa se o pastor tiver que explicar à PF o que quis dizer em cima do trio elétrico.
Casualmente, na manhã de segunda-feira, vindo para Brasília, sentou-se na poltrona ao lado da minha o senador Flávio Bolsonaro. Incluído no grupo de passageiros com preferência de embarque, notei que o filho 01 do ex-presidente é uma figura com pouco carisma. Avião lotado, poucos passageiros notaram sua presença e nenhum deles que o reconheceu se dispôs a cumprimentá-lo. Ficou ele ali na janelinha e eu no corredor como dois grandes estranhos do público.
Mas, por qual razão cito esse episódio? Para mostrar que o expressivo comparecimento de pessoas à manifestação da extrema-direita na Paulista não significa necessariamente a retomada da ofensiva bolsonarista. O perigo de um golpe de estado desapareceu? Não. Só que a conjuntura no momento exige outro comportamento de um investigado. Amenizar o discurso para ganhar tempo e simpatia foi uma tática correta. Talvez não suficiente para gerar uma comoção no coração daqueles que irão julgar o ex-presidente, mas pelo menos um novo fato político foi criado.
Quando Bolsonaro pede anistia aos presos do 8 de janeiro, ele pede para si, em primeiro lugar, porque sabe o destino que o espera caso siga radicalizando seu discurso. Apesar do ensaio da linha retórica pacificadora que adotou, o deslize em citar que golpe militar é feito com tanques e soldados nas ruas e não por meio de documentos, ele sinalizou que algo sabe para além do silêncio diante da PF.
De qualquer maneira, o ex-presidente acertou ao ouvir o conselho equilibrado fora do seu círculo mais íntimo. Se quiser manter uma possibilidade de se livrar das grades por um bom período, precisa trazer a política para o centro do jogo. Não faltarão apoiadores como se viu no domingo. Agora, se dará certo a longo prazo, isso já é outra história.
Marco Piva é jornalista e apresentador do programa Brasil Latino, na Rádio USP.