Jânio Quadros foi importante para a história do Brasil, pela carreira política sempre fortalecido no voto popular. Dos presidentes que conheci, foi de longe o mais inteligente e o mais estadista, embora em cultura geral e em amor pela coisa pública.
Jânio foi o protagonista de um dos mais importantes episódios da história política do País; a chamada revolução pelo voto. Ele havia sido um bom governador de São Paulo. Quando foi eleito, o sentimento de mudança era profundo. Sua renúncia frustrou todo esse sentimento.
Foi uma personagem que preencheu, num dado momento, um vácuo a partir da política de São Paulo. Não mais que isto. Preencheu um vazio na vida brasileira que se gerou com a morte de Vargas. Mas teve uma experiência fugaz. Aqueles sete meses foram muito passageiros.
Jânio Quadros foi o precursor da modernidade no Brasil. Ele foi o primeiro a falar em equilíbrio orçamentário, austeridade, rigor nas contratações do serviço público, nos gastos públicos, bandeiras até hoje usadas. Os discursos de hoje são repetições do que Jânio falava há 58 anos: reforma administrativa, redução do déficit público e defesa da desestatização.
Jânio refez a linguagem política. Ao invés da palavra e do argumento, agora manejava símbolos e emoções… (sic). Pena que essa capacidade tenha sido pouco utilizada em benefício do povo, que ele soube manipular como ninguém.
Presidente dinâmico e honesto, que sabia trabalhar de igual para igual. Um dos donos do mundo, recusando ostensivamente, se necessário, suas pretensões políticas e econômicas.
Ele inaugurou um novo tempo. Na política, na linguagem e na comunicação. Ele lutou para colocar o Brasil no primeiro plano mundial. Jânio se elegeu derrotando não só os partidos dominantes, mas a maioria dos deputados e senadores. É o único na história contemporânea que só foi mandatário do povo.
O presidente Jânio Quadros teve duas marcas: a força de uma liderança carismática sem paralelo no País com o poder mágico de comunicação com a massa e a pobreza de estadista que o levou à renúncia.
Analisar Jânio é tentar verificar o que estava verdadeiramente por trás de palavras, gestos e entonações. Sempre soube dominar de maneira inteligente os recursos comunicacionais de que dispunha. Um verdadeiro artista.
Jânio Quadros assume a Presidência em janeiro de 1961. O desprezo de Jânio Quadros pelo Congresso — “um clube de ociosos” — era tão grande que chegou a indagar a seu perplexo Chanceler – Afonso Arinos: “Ministro, V. Exa. pegaria em armas para defender este Congresso que aí está?”
A figura de Jango é cristalizada em apenas dois dias – o primeiro é o dia 31 de março, data do golpe. O segundo, 1º de abril, a fuga. Lembra-se dele de duas maneiras: ou de maneira positiva, o líder reformista, a vítima. Ou então de maneira negativa, fugiu, não resistiu, permitiu a vitória do golpe. Mas sempre nesses dois dias. Está ali. Sempre nos extremos. No Governo de Juscelino Kubitscheck (1956-1961), os escândalos ocorreram em função da construção de Brasília, a nova Capital Federal. As “rendas fáceis” dos empresários, cresceram porque as obras de Brasília eram dispensadas de licitações. Deixa também um rastreamento dos resultados das Comissões de Sindicância instauradas pelo governo Jânio Quadros — as recomendações, e as últimas pistas de cada relatório.
Ainda aguardam que, um dia, os pesquisadores vão atrás.
Nelson – O senhor acreditava em Carlos Lacerda?
JÂNIO QUADROS: – “Ninguém nunca atribuiu a mim, diretamente, qualquer veleidade ditatorial. O sr. Carlos Lacerda fez acusações de madrugada, na calada da noite, enquanto eu dormia tranquilamente no Palácio”.
Nelson – O senhor não ouviu o pronunciamento dele?
JÂNIO QUADROS: – “Eu o li no dia seguinte nos jornais de Brasília. Tratava-se de uma vasta conspiração que me passara inteiramente ignorada. O Congresso transformou-se em Comissão Geral de Inquérito, figura inexistente no Direito Constitucional, Mesmo de madrugada essa Comissão já intimou o primeiro de meus ministros, e o intima para o dia seguinte e o intima sem o questionário a que devia responder, como a lei determinava. Ministro nenhum poderia ser questionado a não ser para responder um questionário previamente estabelecido”.
Nelson – Como os ministros receberam a notícia.
JÂNIO QUADROS: – “Ministro nenhum podia ser convocado com data certa! O Ministro é que escolhe a data”.
Nelson – Isso foi na manhã do dia 24?
JÂNIO QUADROS: – “Foi na madrugada do dia 25 de agosto. Então havia o propósito nítido de me pôr de joelhos. Nítido! Não havia dúvida nenhuma, até por que se murmurava nos corredores da Casa que outros ministros se seguiriam e que minha própria esposa, presidente da Legião Brasileira de Assistência, seria também convocada, (pausa para todos perceberem a gravidade da situação). Reuni Oscar e os Ministros militares para lhes dizer: “Que me sugerem?” Eram oito e meia da manhã e eu ainda ia à cerimônia do Dia do Soldado. Fui, condecorei bandeiras, ouvi o hino, já estando de decisão tomada e declarada a todos eles”.
Nelson – Quais foram as sugestões que eles deram?
JÂNIO QUADROS: – “Houve várias sugestões e não desejo individualizar. A dominante era fechar o Congresso. Por alguns segundos pensei em fechar o Congresso. E ter-me-iam bastado um cabo e dois soldados”.
Nelson – O senhor tinha poderes para isso.
JÂNIO QUADROS: – “Força eu tinha, poderes não”.
Nelson – Naquela época não podia declarar estado de sítio?
JÂNIO QUADROS: – “O estado de sítio é votado pelo Congresso. O presidente declara, mas o Congresso é que vota”.
Nelson – O senhor gostou da sugestão de fechar o Congresso?
JÂNIO QUADROS: – “É claro que senti tentação pois aquele Congresso não me merecia o mínimo respeita Havia nele figuras eminentes, mas quem o dominava eram os políticos profissionais, figuras pouco escrupulosas e muito discutíveis que eu conhecia de longa data. Alguns com cadeiras cativas obtidas à base de focos de ignorância mantidos pelo coronelato, explorando demagogicamente os trabalhadores, iludindo-os permanentemente. Ao verem surgir assuntos vitais para os trabalhadores — a liberdade sindical, o imposto sindical, a reforma agrária, o voto do analfabeto – recuavam de pronto e espalhavam confusões para que os projetos dormissem nas gavetas. Interferiam até na ordem econômica e financeira crivando o orçamento da União com emendas, todas elas de despesas sem indicar nenhuma fonte para a obtenção de recursos. Como cumprir a lei era inteiramente, impossível a possibilidade de fechar o Congresso me passou pela cabeça. Mas havia algumas particularidades que me fizeram pôr a ideia de lado sumariamente, não chegando nem a exumá-la. isto é, não aprovei essa sugestão”.
Nelson – O senhor teria o apoio de seus ministros militares?
JÂNIO QUADROS: – “Sim, teria sim. Aqui, ali e acolá tenho ouvido que nem sempre procederam comigo com a elegância desejável depois da renúncia. Se não todos alguns, mas até aquele momento foram absolutamente perfeitos, não podendo fazer nenhum reparo. Havia problemas também no Nordeste. Sim, estou convencido de que isto também deve estar presente na consciência dos que me fazem críticas. Existem interesses políticos próprios e divergentes quase todos empenhados em arruinar-me para a posteridade, esquecidos de que disponho da melhor documentação que se possa imaginar. A frente dessa luta e desse derramamento de sangue eminentes eu lhes disse que não havia nascido Presidente, mas havia nascido livre. Apanhei um pedaço de papel e escrevi o documento da renúncia”.
Nelson – O senhor seria mais um presidente?
JÂNIO QUADROS: – “Há instantes em que é preciso tomar uma decisão. As pontas do meu dilema eram: fecho o Congresso ou me deixo cair de joelhos. No momento em que caio de joelhos desapareceu a autoridade que o povo me emprestou! Lá sigo eu para a velha política das capitanias e dos feudos: devo entregar o Ministério da Fazenda a um grupo, o Ministério da Agricultura para outro, o IBC para um terceiro, o Ministério da Viação para um quarto, o Ministério do Trabalho para um quinto… Assim eu me acomodo e governo cinco anos. Saio daqui com a pior de todas as imagens, porque então sim terei frustrado todas as minhas ideias reformistas e todas as esperanças que o povo depositou num governo limpo, corajoso, independente e honrado! Governo sério! Governo que não furta e não deixa furtar! Governo no qual não entra congressista ou homens influentes no Banco do Brasil exceto pelos seus méritos! Eu era um homem tranquilo em todos os setores. Tinha como Ministro de Minas e Energias esse grande paraibano que é o João Agripino. No Ministério do Exterior eu tinha o Afonso Arinos de Melo Franco. Tinha Clemente Mariani no Ministério da Fazenda. Estava cercado de homens como Brígido Tinoco, Castro Neves. Se houve golpe, eu não o comuniquei a nenhum militar. A Presidência da República não me deu nada. Pelo contrário: andou me tirando. Lá furtaram-me um terno, uma camisa e um par de sapatos”.
O Brasil, no momento, precisa de três coisas: autoridade, capacidade de trabalho e coragem e rapidez nas decisões. Atrás de Jânio Quadros, não fica ninguém, mas ninguém, que reúna esses três requisitos.
Nelson Valente é professor universitário, jornalista e escritor