Pode parecer clichê, mas a frase “é tudo sobre pessoas” nunca foi tão real. Essa foi a minha segunda vez no SXSW (a primeira foi em 2019) e imaginei encontrar muitos temas de inteligência artificial e iniciativas de inovação que remetesse à construção de um futuro tecnológico e cibernético sob a lente das tendências e do que se tem (ou teremos, nos próximos anos) de mais novo e disruptivo. E, embora tenha sido exatamente o que encontrei nas dezenas de palestras que ouvi, surpreendi-me com a ótica levantada em praticamente todas as conversas, análises, insightse inclusões: é realmente tudo sobre pessoas.
A primeira pergunta que vem na cabeça de muitas pessoas é sobre Inteligência Artificial versus pessoas: vamos realmente perder muitos postos de trabalho? Segundo Elizabeth Bramson-Boudreau, CEO e publisher da MIT Technology Review: os trabalhos mudarão o escopo, mas não reduzirão significativamente em volume. A ideia é que a tecnologia facilite nosso dia a dia, reduzindo tarefas mais repetitivas e garantindo menos horas de trabalho. E é nesse ponto que passamos a discutir sobre saúde mental. Confesso que fiquei impressionada com a quantidade de vezes que ouvi as palavras “infelicidade” e “solidão” nos mais diversos tópicos: de games a construção de marcas, nesse último trazendo como nós podemos ser agentes da mudança em relação a tudo isso.
E parece óbvio, eu sei, já que a discussão sobre a importância da saúde mental dentro e fora das corporações é um tema amplamente discutido, que, inclusive, muitas vezes parece já estar se esgotando. Para as lideranças, por exemplo, o atual cenário do universo do trabalho é quase um velho conhecido: vivemos uma era de exaustão, em que 40% dos trabalhadores globais já tiveram burnout. Mas o SXSW 2024 veio nos mostrar que os debates que orbitam esse problema mundial estão longe de terminar.
Em um dos painéis mais interessantes a que assisti, a atriz, cantora e empresária, Selena Gomez, e sua mãe, Mandy Teefey, cofundadoras da empresa Wondermind, ao lado do terapeuta de atletas, dr. Corey Yeager, e do jogador de futebol americano, Solomon Thomas, falaram sobre a importância de quebrar o tabu e de se abrir cada vez mais espaço para tratar de saúde mental nos mais diferentes ambientes. Isso porque, se quisermos combater problemas sérios, como depressão e doenças mentais, produtos da nossa sociedade, precisamos acompanhar o movimento e reconhecer que inovar também é sobre impactar pessoas dentro e fora das empresas.
Já a criadora da aula The Science of Happiness, a mais frequentada na Yale University, Laurie Santos, discutiu o conceito de felicidade a partir da ótica da produtividade e do lucro. Ela defende que empresas que geram felicidade e bem-estar têm mais chances de se tornarem produtivas e lucrativas. A pergunta que nos fica é: como falar de felicidade sem passar pelo cuidado e atenção com a saúde mental? E a verdade é que está tudo conectado. Só entenderemos o nosso papel enquanto líderes e agentes transformadores dessa realidade quando começarmos efetivamente a olhar de forma real e comprometida para questões de esgotamento físico e emocional das pessoas.
A simples presença desses assuntos no SXSW de forma extensiva evidencia como é imprescindível debatermos o futuro das relações e, consequentemente, do trabalho para além da produtividade e dos resultados, impactando diretamente na maneira como enxergamos a vida e percebemos o mundo. O trabalho precisa ser parte da nossa vida, e não a nossa vida propriamente dita. Diante desse panorama, a tecnologia como aliada e o papel da inteligência artificial, debate incontornável não apenas no SXSW como nos mais variados fóruns, foram reforçados pela famosa Amy Webb, CEO do Future Today Institute, que figurou entre os mais disputados do South by – que, não à toa, já no ano passado a fez ser a convidada especial da primeira edição do Days4Future, evento interno do Grupo Boticário para compartilhar conhecimento sobre o poder da ciência em moldar o futuro da humanidade. Entre as inúmeras tendências apresentadas em seu relatório, uma me chamou mais atenção: independentemente da idade, somos todos de uma geração em transição tecnológica e precisamos da coletividade para passar por essa fase.
Se tudo continua conectado, afinal, como preservar a coletividade e as trocas em um cenário tão individual e tecnológico?
Já se sabe que a IA, aplicada de forma positiva nos mais diversos negócios, poderá ser uma parceira para reduzir demandas e, consequentemente, contribuir para a redução do burnout. Mas ela pode ir muito além. O vice-presidente de consumo da OpenAI, Peter Deng, disse algo que me marcou: “A IA nos torna mais humanos.” De acordo com ele, ao nos proporcionar meios para facilitar o aprendizado, a inteligência artificial nos ajuda a exercer a curiosidade. A meu ver, fica evidente que a tecnologia deve ser uma ferramenta para chegar a algum lugar, e não o fim em si, servindo inclusive como ponte para estimular e criar novas conexões e trocas. Em outra palestra, com quatro professores que comandam departamentos de tecnologia de universidade americanas, ficou claro que a tecnologia é feita por e para pessoas e que nós seremos capazes de moldá-la para a evolução da sociedade, principalmente no que tange a educação.
Outro tópico relevante que pude observar se refere à importância de momentos de quietude e reflexão para o exercício da criatividade. “Cortar o barulho para criar” torna-se cada vez mais fundamental, pois a ciência e a arte precisam de respiro para que se tenha inspiração. Tenho observado como, nesses períodos de silêncio, que justamente trazem a importância da individualidade aliada ao coletivo defendido por Amy Webb, podemos nos conectar com o que realmente importa, saindo do óbvio e entregando mais do que esperam de nós. Além disso, precisamos estar atentos a outro tipo de ruído: o interno, formado pelas nossas preocupações e por carga mental em excesso, tão comuns nos nossos tempos – principalmente se levarmos em conta que, segundo pesquisas, 85% das coisas que pensamos e nos deixam nervosos simplesmente acabam não ocorrendo.
Rohit Bhargava, autor, palestrante e estrategista de marketing (presença garantida em toda edição do SXSW) diz que vivemos uma crise de confiança generalizada: isso porque não sabemos mais o que é real e o que não é, muito por conta de tecnologias capazes de criarem e se portarem como humanos. Segundo ele, “pessoas que entendem pessoas sempre ganham” e isso deveria ser nosso foco de estudo. A pandemia e demais acontecimentos globais mudaram a forma que nos relacionamos e estamos todos tentando encontrar propósito e muitas vezes lidar com o excesso: de informação, de coisas, de pensamentos, etc.
No fim, o evento me fez refletir sobre como felicidade, produtividade e tecnologia podem andar lado a lado, possibilitando e estimulando novas conexões, saúde mental e criatividade, em um movimento de dentro para fora das empresas. Esse é o caminho que precisamos construir para que as pessoas sejam felizes, saudáveis e assim se tornem profissionais do futuro. Ah!l E claro: como precisamos urgentemente abrir espaço para o novo, diminuindo o barulho para escutar a nós mesmos.
Mariana Tozzini –
Gerente sênior de branding e comunicação de estratégia integrada das marcas do Grupo Boticário