Houve uma vez na minha vida profissional em que torci muito para que um trabalho meu não fosse divulgado. Um absurdo, levando-se em consideração que a produção de conteúdo do jornalista é feita justamente para o leitor, para o ouvinte, para o telespectador, para o público, enfim.
Mas, embora eu tivesse produzido uma edição especial com muito respeito e carinho, não queria que ela fosse ao ar na Rádio Bandeirantes. Sua divulgação representaria a perda de um grande amigo e de um excelente profissional do rádio brasileiro.
Naquela manhã de 29 de abril de 1989, há 35 anos, pulei da cama assustado. O rádio-relógio me despertou com uma matéria que eu conhecia muito bem. Eu a produzi e a editei. Mara, minha mulher, preocupou-se com o meu pulo. “O que foi?”, perguntou. “Que tristeza, o Darcy morreu!”, respondi.
Acompanhei o especial que conhecia tão bem como se o ouvisse pela primeira vez. Ao chegar ao seu final, José Paulo de Andrade, diretor de jornalismo da Band, confirmou o falecimento de nosso companheiro. Esse especial ainda foi reapresentado mais duas vezes naquele dia, ao mesmo tempo em que a emissora rendia homenagens ao grande e histórico profissional.
Fui contratado por Darcy Reis para trabalhar na Bandeirantes em 1983. Na época, eu estava no Estadão, já havia deixado a Jovem Pan. Na Band, fui coordenador de esportes, função que acumulava chefia de reportagem, redação e produção. Darcy era o diretor.
Atuamos em parceria por seis anos e sempre nos demos muito bem. Quando ele ficou doente, acumulei também suas funções. Se possível, trocávamos ideias por telefone. Ele morava com a gentil Margarida, sua mulher, em Jacareí (SP), onde ambos nasceram. Um dia, Margarida me deu a triste notícia de que Darcy passara a ser um doente terminal.
Pouco tempo depois, resolvi preparar uma edição especial sobre Darcy Reis, um dos mais corretos e competentes locutores esportivos do rádio brasileiro. Narrou futebol em inúmeras emissoras, cobriu várias Copas do Mundo, além de deliciar os ouvintes com brilhantes narrações das lutas de Éder Jofre.
Sem alarde, fui ao excelente arquivo da emissora – hoje comandado pelo meu ex-companheiro de Jovem Pan, Milton Parron – para separar trechos de gravações de entrevistas, gols, narrações de boxe e outros momentos importantes da carreira de Darcy. O material era farto. Preparei o texto, intercalando os áudios editados. Com a produção pronta, só restava gravar.
Apesar de a emissora ter inúmeros locutores, optei por Ferreira Martins. Para mim, ele era a própria voz da Bandeirantes, assim como os saudosos Franco Neto e Antonio Del Fiol, meus companheiros da Jovem Pan, ou Cid Moreira e Sérgio Chapelin na Rede Globo.
Segurando o texto impresso na mão, encontrei Ferreira Martins caminhando para o estúdio, onde gravaria alguns comerciais da emissora. “Ferreira, dá para você gravar esse texto?”, perguntei.
“Lógico”, ele respondeu. Pegou as laudas e foi ao estúdio. Eu segui por outra porta e entrei no setor técnico para acompanhar a gravação.
Ferreira olhou o material, leu as primeiras linhas e ergueu os olhos, dirigindo-os para mim, que estava à sua frente, mas do outro lado da divisória de vidro. Por segundos, transmitiu tristeza, por mim retribuída nessa troca de olhares. Perguntou ao técnico se poderia começar… e passou a ler o texto. Firme, solene, sóbrio, marcante, respeitoso, competente. Não precisou parar. Não titubeou. Não errou. Não teve de repetir nenhuma frase. Foi simplesmente perfeito.
Cumpriu a missão, homenageou o seu amigo Darcy dignamente. Deixou o estúdio, veio em minha direção, devolveu o texto, olhou tristemente para mim, não falou nada, compreendeu o que eu também estava sentindo e seguiu em frente para dar sequência ao seu trabalho.
Deixei a fita gravada na central técnica da emissora, com um aviso de que só poderia ser colocada no ar com autorização de algum diretor, caso eu não estivesse na rádio. Quem a utilizou, dias após, depois da triste informação passada por Margarida, foi Zé Paulo de Andrade.
Darcy Reis tinha inúmeros amigos na Band. Ou melhor: só tinha amigos e admiradores. Gentil, educado, discreto, sorridente, simpático, gente do bem, ele cativava. Quando caminhava pelos corredores da emissora, mais parecia um político famoso ou uma personalidade, tal o número de pessoas que o cumprimentavam. Testemunhei muitas cenas como esta, pois almoçávamos juntos quase diariamente.
Foi muito bom trabalhar com Darcy. Aprendi bastante com ele sobre rádio, embora já fosse relativamente experiente no setor em função de minha passagem pela Jovem Pan. Realizamos muitos trabalhos juntos. Dois programas por nós idealizados e produzidos – Gol de Placa e Esporte Emoção – foram premiados.
Organizamos a cobertura da Copa de 86, diretamente do México. Ele cuidava da parte administrativa, tratava dos direitos de transmissão, da escolha de jogos, das escalas, da logística, das viagens da equipe pelas sedes.
E eu coordenava toda a programação diária, com o pessoal do esporte entrando “ao vivo” em todos os programas, de acordo com entendimentos que tinha com o pessoal que estava no Brasil, principalmente com o diretor de jornalismo José Paulo de Andrade e com o diretor artístico Hélio Ribeiro – que havia voltado ao Brasil e à Band.
A cobertura da Copa foi muito elogiada e alcançou bons níveis de audiência.
Outro fato marcante dessa época: a contratação de José Silvério, narrador da Jovem Pan. Eu havia trabalhado por seis anos com Silvério, como coordenador de esportes da Pan. Como a direção da Bandeirantes sabia que mais cedo ou mais tarde Fiori Gigliotti iria encerrar a carreira (já estava anunciando essa possibilidade), fui o intermediário nos entendimentos.
Darcy e eu fomos à casa de Silvério e o convidamos oficialmente, tendo a devida retaguarda da direção da Band, do diretor comercial Samir Razuk, do diretor superintendente Salomão Esper e dos Saads, diretores proprietários. José Silvério pediu tempo para pensar. Estudou a oferta e acabou aceitando o convite, o que provocou uma revolução no rádio esportivo.
Na Copa do México, Fiori Gigliotti narraria o jogo de abertura da competição mundial. E anunciaria José Silvério na função de transmitir os jogos do Brasil como titular absoluto da emissora. Antes da Copa, porém, Silvério e Fiori já dividiriam o comando das transmissões de futebol da Bandeirantes, cada um em um domingo. Houve, porém, uma reviravolta.
Fernando Vieira de Mello, diretor-presidente da Jovem Pan, conseguiu convencer José Silvério a voltar à emissora de origem para ser titular absoluto durante a Copa de 86, oferecendo inúmeras vantagens ao profissional.
Assim, só muito mais à frente, em 2001, José Silvério foi definitivamente para a Bandeirantes, conquistando todos os prêmios de melhor narrador esportivo, como ocorria quando estava na Jovem Pan.
Depois que Darcy se foi, ainda tive de representá-lo em duas entregas de prêmio, ambas pela conquista da Band como a melhor equipe de esportes de 1989: Troféu APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) e Troféu Ford-Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Outras duas demonstrações do bom trabalho desenvolvido pela Rádio Bandeirantes sob o comando do inesquecível Darcy Reis.