Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal têm sistematicamente absolvido autores de furto de coisas de pequeno valor por ausência de tipicidade material, aplicado o princípio da insignificância.
Com o devido respeito, a aplicação de referido princípio foi banalizada em nosso país, notadamente pela Excelsa Corte.
De acordo com o princípio da insignificância, para que haja crime se exige efetiva lesão a bem juridicamente protegido pela norma penal. Em algumas situações a lesão é tão insignificante que não há interesse para o Direito Penal. Há, nesses casos, os chamados crimes de bagatela, que são fatos atípicos.
Pode parecer à primeira vista que seria absurdo condenação por ter alguém furtado ou tentado furtar bens de pequeno valor, como peças de picanha, de queijo, bebidas, dentre outros.
No entanto, a questão não se resume apenas ao valor dos bens, que, para muitos, não é insignificante, notadamente em país em que boa parte da população aufere um salário-mínimo.
Imaginem se a moda pega e todos os ladrões souberem que poderão furtar à vontade objetos com valores pequenos, já que a Excelsa Corte será condescendente e os absolverá.
Serão dezenas de milhares de pessoas furtando os diversos estabelecimentos comerciais pelo país, que terão prejuízo substancial, podendo levar os pequenos comércios à falência, e causar grande perda patrimonial para os maiores, com reflexo nos preços das mercadorias.
E não só os estabelecimentos comerciais estarão à mercê da bandidagem no caso de o valor do bem não superar a 10% do salário-mínimo vigente à época dos fatos. O reconhecimento do furto de bagatela poderá ocorrer quando a subtração atingir a qualquer bem, inclusive de residências, mesmo sendo o autor reincidente específico. Isso mesmo, até esse valor ficará autorizado o furto de qualquer bem, vez que de antemão os policiais e os magistrados de primeiro grau saberão de que nada adiantará condenar o larápio, já que será absolvido pela Excelsa Corte em razão da atipicidade material da conduta.
Repito, não se deve esquecer que boa parte da população brasileira aufere vencimentos ou tem renda mensal perto do salário-mínimo e o furto de uma peça de roupa e de outros bens com valores inferiores a 10% do salário-mínimo podem ser significativos e impedir a vítima de adquirir outro sem prejuízo de sua subsistência e da família.
Por isso, esse princípio, que é criação doutrinária e jurisprudencial, só deve ser aplicado em situações excepcionais.
A insignificância da lesão deve ser aferida pela consideração de todo o contexto da ordem jurídica vigente. Não basta, apenas, a insignificância do objeto jurídico ou material tutelado pela norma, mas o grau de intensidade em que esses bens jurídicos são atingidos pela conduta.
Somente nos casos em que o autor não for pessoa useira e vezeira da prática de crimes patrimoniais e o valor do dano inexpressivo, pode-se aplicar o princípio da insignificância. Posso citar como exemplos o furto de uma banana, de um alfinete, ou seja, quando não houver nenhum reflexo patrimonial para a vítima. Além disso, o crime não pode ser cometido com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, e não ser o ladrão reincidente ou possuidor de maus antecedentes criminais. Ou seja, somente quando não houver periculosidade social do agente.
Lembro que o artigo 155, § 2º, do Código Penal, prevê a figura do furto privilegiado, se o furtador for primário e de pequeno valor a coisa subtraída, justamente para essas situações. Nestas hipóteses, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuir a pena de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. E, para a jurisprudência dominante, será de pequeno valor aquele bem cujo valor não ultrapassar a um salário-mínimo à época dos fatos.
O direito penal deve ser veículo para a prevenção de delitos e não para seu estímulo. A ausência de punição ou punição insuficiente para condutas previstas no Código Penal contribuem decisivamente para o incremento da criminalidade, podendo, em alguns casos, estimular a vingança privada, com o ressurgimento dos matadores de aluguel ou “pés-de-pato”, muito comuns na década de 90 nas periferias das grandes cidades.
Com efeito, a fim de que não haja incentivo à prática de crimes patrimoniais, notadamente furto, o princípio da insignificância deverá ser aplicado apenas em situações extraordinárias, quando o grau de ofensividade for mínimo, a periculosidade social da conduta inexistente, a reprovação social diminuta e a lesão ao bem jurídico inexpressiva.