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A Constituição profanada – por Almir Pazzianotto

A Constituição de 1988 foi promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte. Assim se deu, também, com as Constituições de 1891, 1934, 1946, 1967. A Carta de Lei de 25/3/1824 foi jurada por Dom Pedro I, que a mandou observar pelos brasileiros; a Carta Constitucional de 10/11/1937, decretada por Getúlio Vargas. A Emenda nº 1 de 17/10/1969, à Constituição de 1967, foi escrita e promulgada pelos Ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica.

Promulgação, ensina João Barbalho nos Comentários à Constituição de 1891, “é a afirmação pública e solene da existência e autoridade da lei decretada e a determinação aos funcionários competentes para que a cumpram e façam executar” (Ed. F. Briguiet & Cia, RJ, 1924, pág. 7).

Depois de promulgada, alterações podem ser feitas na Constituição, mas mediante Emendas, obedecendo-se ao rito determinado pela própria Constituição, conforme previsto pelo Art. 59, I. Vejam-se as exigências do Art. 60.

Ordena o referido dispositivo, no parágrafo 2º, que “A proposta (de emenda) será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos
votos dos respectivos membros”.


Uma vez aprovada, a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem (Art. 60, § 3º).

No exercício do mandato de quatro anos, o Presidente da República poderá cometer infrações penais comuns (Art. 102) ou crimes de responsabilidade (Art. 85). No primeiro caso será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (Art. 86, c/c Art. 102). Nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo, pelo Senado Federal (Art. 85).

Não há hipótese, na Constituição vigente, de julgamento de expresidente da República, de ex-ministros de Estado, de oficiais ativos ou inativos das Forças Armadas, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em foro privilegiado.

Para que isso possa acontecer seria obrigatório alterar o texto constitucional, o que só se permite, como já se mostrou, mediante emenda aprovada pelo Congresso

Até esta data a Constituição sofreu 135 emendas comuns e 6 de revisão. Dezenas aguardam tramitação. O art. 102 sofreu modificações, mas a partir da letra h. Permanecem íntegras, no inciso I, as letras a até f, de tal sorte que está mantida a competência do STF para processar e julgar, originariamente, “nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador Geral da República”.

O prefixo ex, adicionado a Presidente da República e ministros de Estado, é indicativo de que deixaram de ser, ou de exercer os respectivos cargos. Estão excluídos, portanto, do foro privilegiado, o ex-presidente Jair Bolsonaro e os seus ministros, tanto para infrações penais comuns, como nos crimes de responsabilidade.

A Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 é a que se encontra à venda na livraria do Supremo Tribunal Federal, impressa ou em formato digital. A mesma Constituição é encontrada em todo o País. Está
presente nas bibliotecas das faculdades, dos escritórios de advocacia, nas mesas de trabalho de ministros, desembargadores, advogados.

Ao alterar o art. 102 e seu Regimento Interno, para julgar os o expresidente Jair Bolsonaro, e seus ministros, no denominado “Inquérito do fim do mundo” o Supremo Tribunal Federal profanou a Constituição em vigor, à maneira dos ditadores. O que se assistiu, durante algumas horas, não foram aulas de direito constitucional, mas manifestações de ódio, incompatíveis com o exercício da magistratura. Conforme lecionou o ministro Mário
Guimarães, em uma das suas obras, “No juiz, o fazer justiça é o alvo, a tarefa, a missão, o sacerdócio. O juiz existe para isso. É o órgão específico mediante o qual exercita o Estado uma das suas funções específicas – a função
jurisdicional”.


Entre nós, é antiga a disputa entre os tribunais e as leis. Veja-se o inciso LVII do art. 5º, cuja redação diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Quantos serão os acusados presos na Papuda, sem sentença condenatória transitada em julgado?

O dispositivo está errado? Corrija-se. Observe-se antes, porém, ao ordenado na Constituição.

A Constituição de 1988 é colossal fracasso. Quem o diz são as emendas em quantidade interminável, e as condenações de Jair Bolsonaro e dos seus ex-ministros, em total desacordo com o que ordena o art. 102 da Lei
Fundamental, e o próprio Regimento Interno do STF. Haverá correção? Não creio. Afinal, somos subdesenvolvida republica sul-americana.
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Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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