A grande imprensa sucumbiu à mediocridade militante
“Na guerra, a verdade é a primeira vítima.”
― Ésquilo
Mediocridade total!
Há uma clara polarização no ambiente político brasileiro. Na polarização, a guerra de narrativas esmaga a verdade, e a liberdade de expressão desaparece – judicializada ou fagocitada pelo proselitismo.
A polarização reduz a razão aos raciocínios toscos da mediocridade militante.
Para o populista, pensar é subversão. O pensamento crítico torna-se perigoso no conflito híbrido que nos envolve. O contexto medíocre projeta lideranças rasas. Cobre com o manto da censura o espelho da realidade.
Na guerra de narrativas, a informação sucumbe e, com ela, a qualidade da imprensa – o conhecimento dos fatos e a opinião independente.
Importante entender esse fenômeno. Compreender a decadência estrutural e humana da grande imprensa – essencial para avaliar riscos e bem proceder à defesa da liberdade e da democracia. E é disso que trata este artigo.
A mensagem e a mídia
“O meio é a mensagem” – expressão emblemática de Marshall McLuhan, define a mídia, não como meio de transmissão mas, sim, como a própria expressão do ser humano em sociedade.
A evolução tecnológica dos suportes midiáticos fundiu meio e conteúdo; gerou enorme impacto na forma de pensar, agir e reagir do indivíduo – transmissor e receptor da informação.
McLuhan definiu a transformação do meio como determinante em relação ao próprio conteúdo ¹. Ou seja, somos afetados por um determinismo tecnológico capaz de alterar o mecanismo de cognição – a compreensão da informação que recebemos.
Podemos, nesse contexto, entender o quanto uma mídia doentia contamina e adoece a sociedade que dela se alimenta de informações.
A propósito, cita Paulo Serra² que preocupar-se com o conteúdo e os “efeitos” da mensagem, ignorando o meio que a veiculou, equivale a preocupar-se com a “doença” e esquecer do doente.
No caso brasileiro, a disfunção midiática sinaliza a agonia de um sistema de governança que, a pretexto de tutelar a “democracia”… trata agora de desconstruí-la. Disso resulta que a mediocridade torna-se a mensagem. Vale dizer: a mídia tupiniquim reflete a pobreza de valores dos que hoje dirigem o Estado brasileiro.
Mídia de micos
A “informação possível”, tutelada e manipulada, termina excretada por profissionais subservientes, desprovidos de biografia e reféns do Estado.
Meios e profissionais, antes respeitados, hoje se dedicam a transmitir “pós verdades” e reduzir a pó o exercício da crítica jornalística. Aboliram o compromisso com os fatos – tornaram-se “Micos de redação”, que dançam conforme a música do realejo tocado pelo establishment.
O establishment – sistema composto dos elementos que tudo fazem para que nada mude, é um componente econômico concentrador e politicamente ativo, que manipula e perverte o sistema de governança que lhe serve.
Desprovida de valores e submissa ao establishment, a mídia mainstream se omite, dissimula, difama, refaz biografias, intimida, desacredita, acusa, assedia e reprime. Degrada a liberdade de expressão para castrar a democracia… sempre a pretexto de salvá-la.
A caneta esquerdizante
O “progressismo”, ditado pela cultura de “mitigação cultural” adotado pelo edtablishment, usa do linguajar esquerdista como apanágio de um sistema cada vez mais concentrador de renda. Um paradoxo sem futuro.
O efeito dessa confusão é expressado por Lech Valesa, histórico líder polonês: “é fácil introduzir um regime esquerdista: basta por um aquário no fogo… e servir o ‘ensopado de peixe e vegetais’ resultante da fervura. Duro será a tarefa de recompor o aquário a partir do ensopado…”
O processo de desintoxicação, portanto, não é e não será fácil.
A síndrome das ideias toscas, pretensamente “progressistas”, inoculada como vírus no jornalismo globalista – é sentida também no jornalismo nacional. Não se trata de um surto de idiotas – é uma doença cultural crônica, invasiva, que vem deteriorando a própria cultura ocidental e, por consequência, a saúde da imprensa há décadas.
Analisemos esse processo:
Amestrada pelo bolso
Nas últimas cinco décadas concretizou-se uma firme dependência econômica dos veículos de mídia com o Estado e o grande capital.
Essa escolha – ditada pelas circunstâncias econômicas e, também, por uma leitura distorcida do mercado, destruiu o compromisso da imprensa para com seu público. Redirecionou a editoria conforme o interesse do patrocínio e, com isso, distorceu o sentido de “opinião pública”.
Me lembrei de Peter Drucker, grande mestre da ciência da Administração. Por experiência adquirida em anos de trabalho nas redações, Drucker alertou jornais americanos para o risco de abandonarem o foco de mercado na assinatura e na venda da edição, priorizando, como fonte de renda, a publicidade paga. Drucker vaticinou que, dessa forma, o empresário mataria o negócio do jornalismo, corrompendo o jornalista e viciando o meio, tornando a editoria dependente dos factoides por encomenda.
A dependência do patrocínio descomprometeu a mídia com o consumidor da notícia. Com isso, a credibilidade da imprensa desapareceu e o jornalismo independente virou frase de efeito.
Foi o que ocorreu por aqui. Os principais meios de comunicação no Brasil, deixaram de “vender edições” para sobreviver de patrocínios – publicidade paga com gordas verbas de propaganda governamentais e de grandes empresas.
Publicidade e engajamento editorial
Mas não há nada que esteja ruim… que não possa piorar.
As agências de propaganda e suas medíocres direções de mídia e conexões – verdadeiros dealers da droga do patrocínio, terminaram o serviço de destruição de toda uma geração de grandes órgãos de imprensa e seus jornalistas.
Grandes revistas de circulação nacional, com conteúdo denso ou crítico, tornaram-se “desinteressantes” para publicitários imediatistas, encantados com novas fórmulas de engajamento político-editorial, mais adequadas aos novos mecanismos de propaganda. Editorias independentes foram preteridas nos “jabás“, para não comprometer marcas famosas com notícias “críticas”.
O fenômeno da mídia market das agências, direcionando verbas, destruiu meios de informação detentores de linha editorial definida, sem falar nos semanários do interior, jornais de bairro, diários das pequenas cidades e revistas setoriais – todos massacrados pela “cracolândia” midiática.
Na mesna linha, mini-goebels travestidos de secretários de comunicação e marqueteiros interessados em “calar a boca” de editores que não se subordinavam ao interesse de ocasião do governante, passaram a segregar a distribuição das gordas verbas públicas de propaganda.
Consolidada a dependência, as concessões de rádio e televisão tomaram conta do horizonte “pré-engajado” da informação e, dessa forma, fizeram a agonizante mídia impressa desaparecer, em grande escala, nas duas últimas décadas do século XX.
“Populismo do Século 21”
No século 21, a máquina de destruir o mercado do jornalismo foi ampliada em escala industrial. O lulopetismo prestou-se a ser o primeiro grande instrumento dessa destruição no Brasil, cooptando meios e profissionais por atacado.
Os governos Lula I e II, passaram a financiar “Blogs Sujos” (mantidos por partidos e governos), e prestigiar assessorias lobistas de imprensa (ou da imprensa lobista), no que se chamou de “jabá chapa-branca“.
Porém, o advento das grandes manifestações de 2013, que se prolongou nos anos que se seguiram, durante os escândalos estratosféricos de corrupção no período Dilma, somados aos embates havidos no ambiente político de transição no governo Temer, propiciaram um respiro e sensível renovação no ambiente jornalístico, com surgimento de novos atores e mídias – em especial nas infovias – graças, num primeiro momento, a uma internet livre de interferências paquidérmicas provindas do judiciário tupiniquim.
Com a eleição de 2018, é certo que o populismo à direita tornou a estressar o ambiente de mídia. No entanto, se na gestão de Bolsonaro o “jabá chapa-branca” secou, não foi difícil para uma imprensa em “crise de abstinência” renovar o jornalismo crítico e encetar a batalha contra o inquieto e inquietante bolsonarismo, buscando patrocínio nos grupos interessados na queda do líder escalafobético.
Mas é preciso reconhecer que toda essa confusão de orientações, bem como a forma de travar embates diretos com jornalistas e demais governantes, em eventos e entrevistas coletivas, possibilitou – para o bem e para o mal, a retomada de algum senso crítico no jornalismo da grande imprensa.
Inadvertidamente, o imbróglio gerou também a oportunidade para o establishment iniciar uma espécie de “limpeza ideológica” das redações, com a colaboração reativa e “ativista” de várias importantes editorias nacionais e, também, do suporte judiciário de uma Suprema Côrte progressivamente engajada no ambiente político radicalizado – distorção teratológica para qualquer regime republicano.
Passadas as turbulentas eleições de 2022, o que se observa, no governo lulopopulista (ou “Lula III”), é o recrudescimento da censura, da prática do “cancelamento”, da judicialização do direito de manifestação e da “limpeza ideológica” do ambiente de comunicação, incentivado por ações explícitas de censura, ocorrentes sob as bençãos de um judiciário engajado e empenhado em destruir a liberdade de manifestação popular.
O combate ao “golpismo” instalou uma tirania no Brasil, a qual gera hoje terríveis consequências para a liberdade de imprensa, o direito de crítica e a manifestação cidadã. A sanha totalitária se intensificou, proporcionalmente à perda de qualidade da informação.
A reação popular, no entanto, é evidente. A queda estratosférica da audiência televisiva e a absoluta apatia em face das ações oficiais e da mídia mainstream é hoje evidente.
A migração popular para a mídia digital divulgada por redes sociais, por outro lado, é notória.
Digitalização disruptiva
É fato que o impressionante encarecimento dos custos de produção, impressão e distribuição do material impresso, contribui para encerrar a era dos jornais e revistas – hoje reduzidos a poucas empresas – as quais tratam de decepar as mãos dos editores para seguir o que dita o patrocinador no plantão do poder… exceção a um ou outro corajoso escrito, perdido nas páginas internas dos veículos.
Mas, se o descompromisso editorial “libertou” o leitor da fidelidade para com o meio, a mídia digital tratou de por a pá de cal no vínculo.
A digitalização da mídia foi disruptiva. Porém, contribuiu para a perda de qualidade do conteúdo em prol da rapidez da sua circularização..
No momento atual, a informação passa a ser buscada nas matérias postas em redes digitais e recortes em podcasts multimídia.
A redução no tamanho dos textos e artigos, diretamente proporcional à perda de conteúdo e profundidade, acompanha o aumento do ceticismo e reação crítica da própria audiência – que abandonou o instinto de platéia para “competir” com a informação, ampliando a interação e, também, a distorção ns compreensão das mensagens.
A mediocridade, assim, tornou-se interativa.
Fábrica de militantes e segregação da razão
Fato: a disrupção destrutiva, observada com os meios e as mensagens, acusou sensível perda de qualidade de edição, compreensão e profundidade. Mas há, também, evidente queda de qualidade do material humano hoje empregado na comunicação.
A perda de qualidade é diretamente vinculada ao engajamento ideológico dos jornalistas contratados. A infecção de militantes (com ou sem causa), e comunicadores à la carte, se intensificou também nas redações, em prejuízo da própria liberdade de imprensa.
O fenômeno é sintomático da pobreza intelectual que se abateu nas universidades, na área de ciências humanas e, em especial, na comunicação. Cursos de jornalismo transformaram-se em fábricas de militância, verdadeiras madrassas em prol da “crítica sem qualquer senso crítico à crítica”.
Madrassas, não faculdades, produzem militantes, não jornalistas. O fenômeno da cooptação pela mediocridade não é restrito à universidade tupiniquim. A fábrica de indivíduos “plenos de certezas e desprovidos de dúvida”, se estende por todo o continente americano e também na Europa, na esteira do domínio globalista, com profundos prejuízos ao patrimônio cultural democrático e ocidental.
O que não agrada à ideologia do “politicamente correto”, é moído com a referência “goldwinana” ao nazifascismo.3
Mas a distorção de qualidade do meio, também distorce o caráter e o senso moral dos quadros nele inseridos. A massa de comunicólogos pretensamente “progressistas”, passou a preencher vagas disponíveis no mercado e, de quebra, tratou de barrar a carreira dos jornalistas independentes.
O aparelhamento ideológico nas redações caçou, cercou, segregou e “silenciou” os jornalistas mais experientes, que não comungavam com a “cartilha”.
A análise foi substituída pela reação emocional. Com isso, a fábrica de rótulos substituiu o conteúdo da garrafa, permitindo que fosse a mesma comprada vazia. Não por outro motivo, hoje, pensar fora da mesmice é ser “antidemocrático”. Questionar “consensos” virou “negacionismo” e criticar o senso comum… configura “fascismo”.
Num procedimento chamado “infiltração em pinça” – editorias cooptadas demitem quem não se enquadra… e jornalistas engajados “lacram” no lugar dos demitidos. Para os que ousaram divergir… restou o isolamento, o estigma e o esgotamento econômico, tracionado pela judicialização sistemática.
Mas a popularização da crítica pelos blogs, desestabilizou o processo.
A morte da verdade
O populismo é uma doença que não sobrevive sem um sistema judiciário lacaio, carreirista e subalterno. Assim, o sufocamento da liberdade de expressão projeta-se sobre a imprensa por meio de uma lawfare permanente, mantida pela indústria das indenizações e promovida por “autoridades ofendidas”, “justiceiros” deslumbrados, “minorias perseguidas” e fiscais do “politicamente correto”.
O cenário de “cancelamentos”, montado pelo establishment, se consolida, destinado a censurar artigos, cancelar blogs e portais, recolher edições, prender e perseguir jornalistas e destruir reputações.
A lawfare, hoje, é notória, e evoluiu para a censura orwelliana: uma ditadura adjetivada como “democracia” e ao que tudo indica, tutelada pela pior judicatura da história do Brasil.
Goebels explica… Freud também.
Mas não há farsa que dure nem caneta que mantenha tinta suficiente para omitir a verdade.
O espaço para proselitismos vazios saturou. Não cola mais na consciência crítica ocidental – e não resiste a um simples exercício de lógica. Um sinal de alerta para a sinecura das mesmices instalada nos meios de comunicação.
Claro que há um exército de profissionais de imprensa dignos, imprensado nesse mecanismo perverso, lutando pela sobrevivência e fazendo uso das brechas disponíveis para fazer valer a busca pela verdade – objetivo primário do jornalismo.
Mas o somatório de exceções meritórias só confirma a regra lamentável.
Assim, tudo que se pode esperar nos próximos anos é a degradação do jornalismo no Brasil, até o “tiro sair pela culatra” e o espírito solidário do brasileiro falar mais forte ante os excessos evidentes da maledicência.
Como se diz… o poder da caneta é sempre efêmero. Uma hora… a tinta acaba