A quitação dos precatórios, dívidas governamentais decorrentes de sentenças judiciárias, têm afetado milhares de brasileiros e se tornou uma das grandes questões das finanças públicas. Os Estados, DF e Municípios que estavam em atraso com seus pagamentos em março de 2015, terão até o dia 31 de dezembro de 2029 para quitar seus débitos, caso não ocorra uma nova moratória, o que mostra a morosidade que estes pagamentos são feitos.
Só este ano, o Poder Judiciário já enviou para o Governo do Estado de São Paulo incorporar no orçamento de 2025 quase R$ 8 bilhões de Reais em precatórios. Entre os meses de janeiro e abril deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo liberou mais de R$ 4 bilhões em precatórios para mais de 37.862 credores. No entanto, as projeções do Governo do Estado indicam que o estoque de precatórios continuará crescendo, chegando a R$34 bi em 2029, e um dos principais motivos é a redução das chamadas Requisições de Pequeno Valor (RPVs).
Estabelecido pelo Art. 100 da Constituição Federal, o pagamento das dívidas da Fazenda Pública é realizado pelo sistema dos chamados precatórios. Entretanto, para toda regra existem exceções e, nesse caso, são as chamadas Requisições de Pequeno Valor (RPVs), que devem ser pagas em até 60 dias de sua requisição e não entram para a lista dos precatórios.
Embora, no âmbito federal, o valor limite da RPV esteja fixado em 60 salários-mínimos, os estados e municípios têm autonomia para estabelecer seus próprios limites. No caso de São Paulo, o Governo do Estado, por decreto, diminuiu o valor do limite para essas requisições, que passou de R$ 30.119,20, em 2019, para cerca de R$11.678,90, em 2019. Essa alteração tem feito o número de precatórios no Estado crescer. Atualmente, o estado de São Paulo tem uma dívida de mais de R$36 bilhões. São cerca de 309 mil credores na fila de espera entre 208 mil precatórios.
Isso demonstra que a redução representa um retrocesso, principalmente diante da inflação e das necessidades reais dos credores. Essa limitação impõe que qualquer valor acima deste montante seja submetido ao regime de precatórios, cujo pagamento pode levar mais de uma década para ser efetivado. Isso não apenas desafia a razoabilidade e a justiça, mas também contraria os princípios de eficiência que devem guiar a administração pública.
O aumento da RPV, também não traz economia para as contas públicas, ou seja, não beneficia nem mesmo o próprio Estado, uma vez que cedo ou tarde esse pagamento terá de ser realizado, com valor corrigido. Assim, os beneficiários que recebiam esses créditos de até R$ 30 mil, passam a aguardar o pagamento do precatório e irão receber esse valor anos depois, com uma taxa Selic elevada contemplando juros e correção montante.
No ano passado, o Estado de Goiás, por exemplo, ampliou o seu limite máximo das RPVs de 20 para 40 salários mínimos. A nova regra permitiu que os autores das RPVs recebessem mais rapidamente e também reduziu a quantidade de precatórios pagos nas condenações contra o Estado.
Seguindo esse precedente, a OAB/SP (Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo), também propôs a ampliação do teto da Requisição de Pequeno Valor (RPV) para R$50 mil. A iniciativa, não só representa um avanço significativo na agilidade da Justiça, mas também é crucial para garantir direitos constitucionais fundamentais de milhares de cidadãos.
É inegável que a proposta de elevação para R$50 mil facilitará o acesso à Justiça para uma vasta gama de credores, muitos dos quais são idosos, portadores de doenças graves ou com deficiência física. Para estes cidadãos, o pagamento em até 60 dias pode significar não apenas o cumprimento de uma decisão judicial, mas também a garantia de dignidade e qualidade de vida.
Ademais, a redução drástica do RPV em cerca de 60%, representou um retrocesso injustificável. Restaurar este valor é não apenas uma correção de uma injustiça passada, mas também um passo fundamental para alinhar a legislação às reais necessidades dos cidadãos.
Do ponto de vista da economia, o pagamento dos precatórios foi responsável por movimentar positivamente mais de 1% do PIB. Além do fato de que uma a cada três pessoas que recebem seus créditos, automaticamente destinam parte desse valor ao consumo, regressando ao cofre estadual parte dessa quantia na forma de ICMS.
Além disso, sobre o valor recebido também, muitas vezes, incide o Imposto de Renda e, por determinação constitucional, essa quantia retida de seus servidores também se destinará em benefício do Estado. Ou seja, de um jeito ou de outro esses pagamentos irão injetar recursos diretamente na veia da economia de forma significativa.
Aumentar o teto das RPV não impacta apenas os servidores públicos, mas qualquer cidadão. Atualmente, o prazo para recebimento de qualquer indenização pleiteada que exceda o valor de R$ 15 mil — seja em decorrência de um acidente ou mesmo referente à reposição salarial de servidor — pode se estender por mais de dez anos, o que burocratiza o processo e onera as finanças públicas, já que o valor é corrigido de acordo, ao longo dos anos.
Sendo assim, é importante ressaltar que a aprovação desse projeto de lei não é apenas uma questão de justiça social. A mobilização e o apoio da classe são essenciais para que possamos garantir que essa proposta seja transformada em lei, beneficiando não apenas os cidadãos comuns, credores de precatórios, como também as finanças públicas e a sociedade como um todo.
*Fábio Scolari Vieira é advogado especializado em Direito de Servidores Públicos do Estado e do Município de São Paulo, em Direito do Consumidor e em Direito Processual Civil. Secretário da Comissão de Assuntos relativos aos Precatórios Judiciais da OAB/SP e membro efetivo do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público – Madeca