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Cadê o relatório final da Comissão Interamericana de Direitos Humanos? – por Cesar Dario

É triste dizer, mas chegamos a um ponto de insegurança jurídica e violações a direitos básicos de cidadania, de acordo com jurisprudência antiga da própria Suprema Corte, que foi necessária a visita da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Sabidamente referida comissão é predominantemente de índole progressista e se vê pressionada para agir, ao que tudo indica, por Donald Trump, que certamente exigirá adoção de providências no que tange a flagrantes violações da liberdade de manifestação do pensamento, que só ocorre a nível crônico em regimes ditatoriais.

Ou seja, há algo de muito errado em nosso país, que já é de conhecimento mundial. Esperar ações concretas de organismos internacionais ou mesmo de países estrangeiros não é normal e só mostra o nível de desespero daqueles que se acham injustiçados. E motivos sobram para essa impressão.

Cansei de alertar sobre o que está a ocorrer em diversos artigos, entrevistas e Lives desde 2019, quando surgiram as primeiras decisões, digamos inusitadas, e que até então nunca haviam sido tomadas por serem ilegais ou mesmo inconstitucionais de acordo com nossa pacífica jurisprudência.

São diversas e vou citar algumas mais impactantes, não somente sobre a liberdade de expressão e manifestação do pensamento, mas que dão maior amplitude aos fatos relacionados.

A primeira delas e provavelmente a que mais impactou no cotidiano das pessoas, que passaram a ter medo de publicar nas redes sociais o que pensam e até mesmo de curtir uma simples postagem, foi a instauração de inquérito judicial de ofício, e sem sorteio de relator (distribuição), para investigar supostos crimes contra a honra, ameaças e denunciação caluniosa contra seus próprios ministros e familiares, bem como notícias falsas (fake news), criando prerrogativa de foro pela qualidade da vítima, sem fatos determinados, que serão apurados a conta-gotas e à medida em que forem surgindo, em flagrante atentado à competência constitucional e violando o princípio do juiz natural e o sistema acusatório de processo.

Este inquérito “deu cria” e dele derivaram vários outros para apurar fatos indeterminados, que, do mesmo modo, nele são incluídos à medida que forem surgindo, ensejando diversas medidas cautelares decretadas de ofício, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, que reconhece o princípio da inércia da jurisdição.

Até mesmo crime foi criado por decisão judicial, empregando analogia in malan partem (homofobia), repudiada por toda a doutrina e jurisprudência pátria, violando o princípio secular da reserva legal.

Contas de redes sociais são bloqueadas a rodo, inclusive de parlamentares, que possuem imunidade material em relação a suas opiniões, palavras e votos, sem que suas falas importem crime, assim entendido o previsto no direito penal objetivo, quando proferidas em razão de suas funções.

Outra anomalia jurídica é o denominado ativismo judicial, que, por mais que se negue, desponta de forma inquestionável em diversos episódios ocorridos no decorrer dos anos, notadamente durante o governo anterior.

Não cabe à Suprema Corte implementar políticas públicas e invadir competência discricionária do Governo Federal, cujo representante máximo foi eleito para tanto.

A gestão da pandemia pelos Estados, contrariando lei expressa que dava ao governo federal essa atribuição de forma geral, bem como a própria Constituição Federal, que determina caber à União instituir as regras gerais na gestão da saúde, é um dos exemplos marcantes de ativismo judicial.

Outro exemplo notório foi a cassação da nomeação do diretor da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, de competência exclusiva do presidente da República, no mandato do então presidente Bolsonaro.

Na área da segurança pública, cuja competência é, em regra, dos Estados, o Pretório Excelso chegou a proibir operações policiais regulares nas comunidades do Rio de Janeiro, limitando-as a situações excepcionais, atividade típica esta dos órgãos de segurança pública e não de magistrados, sem praticamente nenhum conhecimento sobre o tema.

E, hodiernamente, mesmo existindo lei específica que trata do tema (Marco Civil da Internet), vigente há 10 anos, a Excelsa Corte está claramente legislando ao regular as redes sociais, matéria afeta exclusivamente ao Congresso Nacional, constituído de parlamentares eleitos pelo povo justamente para representá-lo e analisar o que é melhor para ele após profunda discussão com a sociedade em geral. Ora, se o Congresso Nacional não alterou a legislação pertinente é porque entende que está tudo correto e nada precisa ser revisto, talvez, ou melhor, quase com certeza, por ser indevido o controle das redes sociais por se tratar de espécie de censura prévia, vedada constitucionalmente.

Talvez o que mais impressione àqueles que resolverem se debruçar sobre o tema e o estudar tecnicamente foi a condenação “por baciada”, sem individualização de condutas, daquelas pessoas que participaram dos atos de 8 de janeiro, com aplicação de penas absolutamente desproporcionais, sem levar em consideração a conduta individual de cada uma delas, que deveriam ser julgadas pelo juiz natural por não possuírem prerrogativa de foro, ou seja, em primeiro grau de jurisdição, com direito a todos os recursos existentes e à observância do devido processo legal, que engloba o direito ao contraditório e à ampla defesa, lembrando que filmagens desapareceram e os advogados não tiveram acesso à todas as provas existentes, criando-se procedimentos investigatórios secretos, absolutamente ilegais e inconstitucionais.

Por fim, o julgamento de Bolsonaro e de alguns membros de seu governo por crimes contra o Estado Democrático de Direito, que ficaram na fase da cogitação e preparação (impuníveis pelo direito penal) e sem nenhuma relação causal com os atos de 8 de janeiro, bastando realizar uma análise técnica e não política do direito penal (vide links nos comentários).

Ao ouvir e ler sobre esses fatos não há como alguém que lida com violação a direitos humanos nas Américas, notadamente a latina, não se impressionar, uma vez que choca a quem não está a passar por tal situação, já que os brasileiros parecem estar anestesiados pela repetição desses atos dia após dia e com a condescendência de quem a isso não deveria permitir.

Quem opera e estuda o direito com afinco e de forma isenta não pode achar correto o que está a ocorrer, esperando sinceramente o retorno à normalidade e que pessoas atingidas por todos esses atos recebam a verdadeira justiça e não justiçamento, que equivale à vingança estatal ou mesmo pessoal, o que nosso sistema processual tecnicamente interpretado não acolhe.

E, no meu modesto entender, a anistia, instrumento constitucional, seria a solução para retornarmos à normalidade jurídica.

É muito provável que tenhamos um relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos impactante para todo o planeta, com recomendações para cessar violações a direitos fundamentais, que, se não podem ferir nossa soberania, servem para alertar aos demais países do que está acontecendo no Brasil.

Porém, cadê o relatório final ansiosamente esperado por todos os brasileiros e por quase todo o mundo civilizado?

Links:

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-fase-final-do-julgamento-dos-acusados-pelo-suposto-planejamento-de-um-golpe-de-estado/4146685525

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-iminente-julgamento-de-bolsonaro-e-de-outros-participantes-pelos-supostos-crimes-contra-o-estado-democratico-de-direito/3507148945

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-julgamento-dos-atos-de-08012023/1977150457

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/bolsonaro-e-a-relacao-de-causalidade-com-os-atos-de-8-de-janeiro/4632646882

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-atos-de-8-de-janeiroea-anistiaaseus-participantes/2602694098

Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.

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