Para o que mesmo servem os protocolos, aqueles números quilométricos que nos dão toda vez que – e, claro, quando – conseguimos reclamar dos serviços às concessionárias? Essa é apenas uma das perguntas do que enfrentamos nas emergências. A verdade é que estamos completamente despreparados para os eventos climáticos intensos e cada vez mais constantes que já batem à nossa porta.
Um torcicolinho básico, em breve mais uma doença urbana, de tanto que olhamos para o céu, para a formação das nuvens, e não é para ver se elas desenham anjos ou ursinhos, mas para observar se e quanto vai demorar o mundo cair sobre nossas cabeças e se nossos pés mergulharão em enchentes. Se corremos o risco de os carros virarem botes navegando descompassados nos rios das ruas. Medo de passar perto de árvores descuidadas pelo poder público sempre prestes a ruírem, ambos, árvores e poder público. Medo de se ver obrigado a paralisar tudo quando falta a energia elétrica, cliques, variações e estrondos que ainda podem acabar com o pouco que temos guardado na geladeira e fundir, disse fundir, outros equipamentos em seus descompassados vaivéns. A nóia de ficar sem comunicação com celulares mortinhos, descarregados.
A descrição acima é a de muitos moradores; em São Paulo, esta semana foi geral. O mais louco é tentar entrar em contato com a tal Enel, a que, digamos, dá a luz. Pergunta rápida: você aí sabe seu Código de Cliente, o número de sua Instalação? Pois bem, vai precisar disso assim que conseguir achar o canal para entrar em contato com essa companhia, o que também não é nada fácil. Desista pelo Whatsapp, para não perder mais tempo e carga do celular, meu conselho. Tudo isso no escuro, e com esse mundo todo digital nem aquele papel da fatura com esses dados existe mais por perto (agora já tenho anotado no caderninho SOS que providenciei).
Supondo que conseguiu contato, pronto! Ganhou um quilométrico número para anotar sabe-se lá onde, dada a situação; mas nenhuma previsão correta de quando a luz voltará. Todas, “chutadas”. Dificilmente vai conseguir falar com gente de carne e osso e voz.
O exemplo foi sobre energia elétrica, mas pode expandir para qualquer serviço, ou mesmo denúncia que tente fazer. Esses dias mesmo ao encontrar perto de casa um plano de assassinato de árvore, fotografei e busquei registrar onde pude o fato: um bar prendeu com ganchos uma bandeja na árvore em frente ao estabelecimento. Vamos lá: registrei no Portal 156 da Prefeitura. Ganhei um protocolo. Registrei também na Polícia Ambiental (do Governo do Estado). Ganhei outro protocolo. Tudo com imagens, nada anônimo. Resultado? A bandeja continua lá detonando a árvore já fragilizada. Não recebi qualquer resposta, e isso já faz mais de dez dias. Até que esses protocolos têm “só” oito números. Os das companhias telefônicas costumam ter quase vinte. Anote. Pergunto novamente: para que servem? Para fazer um colar? Jogar na loteria?
Está passando da hora de todos os serviços se adequarem realmente, e não será pondo robôs para nos atenderem e nos enlouquecerem com suas opções numéricas, nunca as que precisamos. Isso não é modernidade; é enrolação.
Cada vez mais é visível o despreparo e desatenção diante do que já sentimos das alterações climáticas previstas e ficando mais graves. Promessas esquecidas de obras, a desfaçatada cara compungida de prefeitos e autoridades lamentando desgraçadas mortes e tragédias.
Olhe para cima. Olhe para os lados. Veja se as nuvens estão plus size, para qual lado o vento se organiza. Atualize um aplicativo de clima por satélites já que os coitados dos meninos e meninas do tempo ficam perdidinhos e nem se ruborizam mais quando erram nas previsões que ocupam os noticiários, e uma vez que tudo muda rápido, bem rápido.
Anotou o protocolo? Este é o de seguir. Ah, não esquece do caderninho SOS!
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.