Em um hábil jogo político, pretendendo assumir o poder máximo do futebol mundial, o dirigente esportivo João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), enviou para países africanos uma seleção formada por jogadores paulistas (sub-18).
Havelange já havia feito o mesmo com clubes famosos do Brasil, como o Santos, de Pelé, e o Botafogo, de Garrincha. As excursões, realizadas no final da década de 1960, tinham como objetivo mostrar o futebol brasileiro campeão mundial para a África.
Era o início de um intercâmbio visando dar melhores condições ao esporte das nações africanas. Além do envio de times brasileiros para amistosos, Havelange também providenciou a ida de técnicos, como Zagallo e Parreira para orientarem equipes locais.
Em contrapartida, Havelange contaria com apoio africano quando das eleições à presidência da Fifa em 1974. O esquema deu certo: o brasileiro foi eleito – desbancou o inglês Stanley Rous – justamente com os votos dos países africanos, centro-americanos e sul-americanos e permaneceu no poder por 28 anos.
Em um dos 10 amistosos africanos, essa equipe brasileira jogou contra os Leopardos, a seleção do Zaire, hoje República Democrática do Congo. O estádio de Kinshasa ficou lotado.
O presidente Mobutu Sese Seko, que se manteve no poder de 1965 a 1997, nos recepcionou. O ditador vestia sempre calças e jalecos cáqui ou marrom. E, apesar do calor de 42 graus daquela tarde ensolarada, usava um gorro de pele de leopardo que se transformou em sua marca.
Na jovem equipe brasileira, alguns jogadores que posteriormente viriam a ser nacionalmente conhecidos. Como o goleiro Raul Marcel, do Palmeiras, durante anos reserva de Leão; o meio-de-campo Tião, que formou famosa dupla com Rivellino, no Corinthians; o zagueiro Luís Carlos Gualter, do Corinthians, que chegou à Seleção Brasileira.
E também o atacante Basílio, da Portuguesa, que depois defendeu o Corinthians e foi o autor do gol da vitória sobre a Ponte Preta, no Morumbi, em 1977, garantindo o título paulista ao Timão após 23 anos de fila.
Eu acompanhava a excursão como jornalista. Decidi fazer algumas fotos do jogo para o Diário Popular. Fiquei próximo ao goleiro do Zaire, esperando pelo ataque dos paulistas.
Aos poucos a equipe brasileira foi crescendo de produção, passou a dominar o jogo e a pressionar o time africano. Logo depois surgiu o gol. De Toninho, que chegou a ser titular do São Paulo posteriormente.
O gol brasileiro deixou os torcedores nervosos, irritados. O público reclamava bastante, gritava. Eu não sabia o porquê de tanto barulho.
Após o gol, percebi o motivo. Os torcedores começaram a gritar “tabu” e a atirar muitas laranjas em minha direção, julgando que eu fosse um feiticeiro prejudicando os Leopardos. Aos poucos começaram a trocar frutas por pedras. Sofri sérios riscos.
Mas fui cercado por militares do exército de Mobutu. Foi decisão do ditador a minha rápida retirada do gramado. E mais tarde, a seleção do Zaire empatou o jogo.
Os torcedores africanos acreditavam que eu estivesse fazendo algum feitiço. Afinal, eu era um branco, estrangeiro, como a maioria dos jogadores da equipe visitante. Ao contrário dos atletas da seleção local e do povo que lotava o estádio. Daí os protestos e a exigência para que eu abandonasse a proximidade da área do time do Zaire.
Felizmente nada de mais grave ocorreu. Mas, confesso, fiquei apavorado com os gritos da multidão e a chuva de laranjas e de algumas pedras em minha direção. Quem me salvou foi Mobutu.
Sérgio Barbalho
Jornalista e escritor