A inclusão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na lista de sanções da Lei Global Magnitsky pelo governo dos Estados Unidos representa um episódio de grave tensão diplomática e institucional. Sob o pretexto de punir supostas violações de direitos humanos, a sanção promovida pela gestão de Donald Trump ultrapassa fronteiras legítimas e acende um sinal de alerta para o risco crescente da instrumentalização geopolítica do direito.
A medida, ainda que disfarçada de política internacional de direitos humanos, colide com os princípios basilares do direito internacional e da ordem constitucional brasileira. Afinal, como justificar que um país estrangeiro imponha restrições a um ministro da Suprema Corte de uma nação democrática, sem qualquer chancela multilateral?
Separação dos Poderes sob ataque
O artigo 2º da Constituição Federal do Brasil consagra de forma expressa a independência e harmonia entre os Poderes da República. O STF, como guardião da Carta Magna, tem competência para interpretar a Constituição e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos. Quando um governo estrangeiro impõe sanções contra um de seus membros, rompe-se esse equilíbrio e inaugura-se um perigoso precedente de ingerência direta sobre a Justiça de um Estado soberano.
É importante lembrar que o Brasil possui mecanismos próprios e robustos de controle, revisão e responsabilização de autoridades públicas, inclusive do Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Corregedoria Nacional, o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República são instâncias legítimas para avaliar eventuais abusos ou desvios de conduta. Qualquer questionamento à atuação de Moraes, portanto, deve ser feito dentro das regras e instituições brasileiras, e não a partir de pressões unilaterais vindas de fora.
O risco do lawfare internacional
A sanção contra Moraes exemplifica o que muitos analistas internacionais têm chamado de lawfare transnacional: o uso estratégico do direito como arma política, com o objetivo de enfraquecer adversários, interferir em decisões soberanas ou pressionar atores institucionais de outros países.
A chamada Lei Global Magnitsky, embora tenha sido aprovada pelo Congresso dos EUA com a finalidade de punir violações de direitos humanos e corrupção em âmbito global, tem sido aplicada com evidente viés seletivo e motivação política. Casos similares já ocorreram na Rússia, Venezuela, Nicarágua e China — em geral, países com os quais os EUA mantêm disputas políticas ou comerciais. Não é coincidência que, agora, a norma seja usada para constranger o Brasil em meio a disputas internas altamente polarizadas.
Segundo o jurista Antonio Augusto Cançado Trindade, ex-juiz da Corte Internacional de Justiça da ONU, “sanções unilaterais que não passam por instâncias multilaterais violam os princípios fundamentais da igualdade soberana entre os Estados e da não intervenção nos assuntos internos, ambos consagrados na Carta das Nações Unidas”【1】.
Diplomacia sob tensão e precedentes ignorados
O histórico das relações entre Brasil e Estados Unidos, embora marcado por momentos de tensão, sempre foi guiado por certo respeito mútuo entre as instituições. Nem mesmo durante o regime militar, ou em episódios como o da espionagem da NSA contra a então presidente Dilma Rousseff em 2013, se cogitou sancionar diretamente uma autoridade do Poder Judiciário brasileiro.
Além disso, nos casos de cooperação judicial internacional — como durante a Operação Lava Jato — o caminho adotado foi o da legalidade bilateral, por meio de tratados como o Mutual Legal Assistance Treaty (MLAT). A atual decisão, portanto, rompe com essa tradição e representa um gesto unilateral que ignora os canais diplomáticos legítimos e despreza a soberania institucional brasileira.
A própria Carta da ONU, em seu artigo 2º, parágrafo 7º, é clara ao afirmar que “nenhuma disposição da presente Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em questões que pertençam essencialmente à jurisdição interna de qualquer Estado”【2】.
Crítica sim, ingerência não
É legítimo — e até necessário — que se critique publicamente qualquer autoridade, inclusive ministros do STF, especialmente diante de decisões controversas. Mas essa crítica deve ocorrer nos marcos do Estado Democrático de Direito, com base em provas, argumentos e canais institucionais internos. Não cabe a governos estrangeiros determinar quem pode ou não exercer funções públicas no Brasil.
Ao contrário do que se tenta naturalizar, a sanção a Moraes não é um gesto simbólico: ela impacta a autoridade do Judiciário brasileiro, ameaça a separação dos Poderes e fere os princípios do direito internacional.
A resposta do Brasil: soberania não se negocia
Na noite desta terça-feira (30), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, publicou nota oficial reafirmando os princípios da soberania nacional e rechaçando com veemência a interferência externa. Segundo o presidente:
“O Brasil é um país soberano e democrático, que respeita os direitos humanos e a independência entre os Poderes. Um país que defende o multilateralismo e a convivência harmoniosa entre as Nações, o que tem garantido a força da nossa economia e a autonomia da nossa política externa.”
A nota classifica como “inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira” e manifesta solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes, vítima — nas palavras do texto — de “sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses.”
O presidente também ressalta que:
“Um dos fundamentos da democracia e do respeito aos direitos humanos no Brasil é a independência do Poder Judiciário, e qualquer tentativa de enfraquecê-lo constitui ameaça ao próprio regime democrático. Justiça não se negocia.”
Ainda segundo a nota, o governo considera “injustificável o uso de argumentos políticos para validar as medidas comerciais anunciadas contra as exportações brasileiras”, e alerta que “a motivação política das medidas contra o Brasil atenta contra a soberania nacional e a própria relação histórica entre os dois países.”
O comunicado conclui afirmando que o Brasil seguirá defendendo sua economia e seus trabalhadores com todos os instrumentos legais e diplomáticos disponíveis.
📄 Fonte: www.gov.br — Nota oficial assinada pelo Presidente da República, 30/07/2025.
Neste momento, o que está em questão não é apenas o nome de um ministro — mas a legitimidade do sistema judicial brasileiro, a separação dos Poderes e a soberania da República. Qualquer tentativa de submeter nossa democracia a arbítrios externos deve ser firmemente contestada — por dever histórico, por princípio constitucional e por respeito ao povo brasileiro.