Antes de começar a desenvolver tudo o que se refere a esse artigo, sinto-me tentado a citar a conhecida frase de Freud, quando se referiu às três profissões “impossíveis”: analisar, educar e governar.
JÂNIO QUADROS- Irritei os moageiros poderosos em geral, irritei o mundo do petróleo e do óleo combustível…
Nelson – E na política externa?
JÂNIO – Resolvi reestabelecer relações diplomáticas com a Rússia. Há dois anos havia estado com Khruschev em Moscou e notara o maior interesse da parte dele num intercâmbio legítimo. A troca de representações diplomáticas só poderia engrandecer às duas nações. A Rússia já estava a caminho de se tornar uma superpotência. O Brasil se afirmaria internacionalmente como nação soberana que mantém interesses com as nações que julga de relações repercutiu pessimamente e foi objeto de explorações sem tamanho.
Nelson – O senhor antecipou a política africana em dez anos.
JÂNIO QUADROS – A política africana que preconizei alcançou franceses, ingleses, americanos em cheio, as nações que ainda teimavam na velha política colonialista do Cabo ao Cairo.
JÂNIO QUADROS– A censura remonta desde os tempos do Paraíso. Toda ver que Adão e Eva se encontravam ouviam uma voz poderosa dizendo: “Não comam do fruto da Árvore Proibida”. A censura existiu em todos os governos.
JÂNIO QUADROS – “É só conferir! Enviei ao Congresso os projetos de lei antitruste, a lei de limitação e regulamentação da remessa de lucros e royalties, e a pioneira proposta de lei de reforma agrária. Naturalmente nenhum desses projetos jamais foi posto em votação pelo Congresso – hostil a meu governo – que os engavetou, uma vez que eu recusava a contribuir com o que chamava de espórtulas constrangedoras que os congressistas estavam acostumados a exigir para aprovar Leis de interesse da nação”.
Quando Jânio Quadros foi presidente teve a ideia do crédito agrícola para o posseiro, o sitiante, o pequeno agricultor. Falou com o João Batista Leopoldo Figueiredo: “Como o pequeno produtor não chega ao Banco do Brasil que tal fazermos uma experiência? Vamos por dois estados bem pobres, como o Maranhão e o Piauí. Mande o Banco do Brasil comprar várias peruas e organizar alguns funcionários. A perua caminha ao longo das estradas, para e pergunta: “Essas vaquinhas são suas? Esses porquinhos são seus? E essas cabras?” “São, sim senhor.” “Se você tivesse mais vacas, porcos e cabras não acharia melhor?” “E o dinheiro?” “O dinheiro nós damos. Eu sou do Banco do Brasil.” “Mas eu não sei assinar.” “Põe o dedão aqui,” “Olha, você tem 500 contos pra comprar mais vaquinhas. porquinhos e cabrinhas.” Fizemos essa experiência e nenhum desses empréstimos deixou de ser pago. Nenhum! O pobre paga seus empréstimos.
Um dia o João chegou para mim: “Nós podemos perder dinheiro com isso! O Banco do Brasil está acostumado a trabalhar com outras taxas e outras condições”. “João, no momento em que você me disser que o Banco do Brasil perdeu dinheiro vai me fazer muito feliz. O Banco do Brasil existe para correr este risco. O Banco do Brasil não é um banco privado. A filosofia do Banco do Brasil é concorrer com os bancos privados.
JÂNIO QUADROS– Uma vez um chefe político da Paraíba ofereceu um banquete para mim e para o Juarez Távora. Fomos lá. A casa dele era de esquina. Quando olhei para o portão tinha algumas centenas de pessoas olhando com aqueles olhos de Portinari para o nosso churrasco que ia passando. Como é que alguém come numa hora dessas.
Nelson – A semente plantada pela UDN – pela qual o senhor foi candidato – voltou-se contra ela mesma.
JÂNIO QUADROS – Era possível governar sim, desde que se dividisse o País em capitanias entregando cada uma a um grupo político ou econômico. Quando cheguei à Presidência convoquei o General Afonso de Albuquerque Lima, alta expressão do nacionalismo em nossas Forças Armadas, a fim de convidá-lo para assumir o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca). Neste departamento haviam ocorrido todos os abusos que vocês possam imaginar. Convertera-se de Departamento da Viação em património de alguns chefetes políticos. Toda sua maquinaria e todo seu pessoal estava a serviço de latifúndios no Nordeste, pertencentes aos grandes senhores de engenho. A primeira coisa que pedi ao então Coronel foi que tirasse o DNOCS do asfalto de Copacabana e o levasse para Fortaleza. O Rio de Janeiro não conhece o drama da seca, a ecologia do Nordeste nem sua figura humana. Esse pedido foi atendido gostosamente pois por coincidência ele era cearense. Muito bem, o coronel só conseguiu reaver algumas das máquinas do DNOCS arrombando porteiras com tropa armada. Há muito tempo estavam incorporadas em definitivo ao património particular de fulana beltrano e sicrana por que comprar trator, carregadeira, caminhões, pás e pagar pessoal quando o Governo Federal pode trazer isso em benefício de fulana beltrano e sicrano? E apenas um pobre detalhe, mas nesse instante alijei os setores dos donos de latifúndios no Nordeste.
Nelson – Isso foi mais um. pedaço das forças.
JÂNIO QUADROS – Houve ainda um erro maior, tão sério e tão grave que me levou a considerar a hipótese de não tomar posse. O povo elegera como vice presidente o Sr. João Goulart, com quem eu não tinha relações de nenhuma espécie. Lá estava eu representando uma corrente política e o vice-presidente da República representando outra que acabava de ser batida fragorosamente nos comícios da Praça Pública. Minha política econômica necessariamente me alijaria boa parte da popularidade. Era uma política de sacrifícios. A 204 caiu como um gravame nos ombros do povo, mas ou eu a adotava ou íamos para a insolvência. O processo inflacionário infrene era o preço que pagávamos por Brasília, preço que ainda estamos pagando.
Nelson – O que era a 204?
JÂNIO QUADROS – Desvalorizava o cruzeiro, estabelecendo um novo valor, o que aumentava enormemente com suas repercussões o índice de custo de vida, embora possibilitasse uma melhoria vital nas exportações.
Ao mesmo tempo eu gravava o preço dos combustíveis, do trigo e do papel, tomando uma cautela que podia (e devia) servir de exemplo: mandei antes oficiais superiores do Exército conferir os estoques de petróleo, óleo, trigo e papel a fim de evitar que aqueles que possuíam esses estoques se locupletassem com os novos preços. O governo promoveu uma espécie de confisco desses estoques para que fossem vendidos aos preços anteriores. Ninguém pôs no bolso um níquel! Um de meus melhores amigos aqui em São Paulo amanheceu com oficiais do Exército na sua usina.
Não sou liberal, nem sou marxista. Sou democrata, adepto do sistema representativo da interdependência dos poderes, de eleições secretas e livres, dos mandatos a prazo determinado, dos intangíveis direitos individuais, da liberdade de pensamento.
Estou cada vez mais convencido da possibilidade de que o presidente Lula não existe, de que ele nada mais é do que um produto de sua própria linguagem. Em vista de tantos idiotas que me rodeiam, ia sentir-me culpado de tê-lo imaginado. Prefiro acreditar que ele exista independentemente de minha responsabilidade pessoal. O presidente Lula está em boa companhia, com relação a esse equívoco (discurso da Paz entre Ucrania e Rússia), pois os demais planos de governo (pelo menos os conhecidos) também parecem feitos para um país que não é o nosso. O mote de campanha via Geraldo Alckmin: Vote Alckmin com objetivo de votar em Lula e foi assim em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Não foi fácil. E o vice-Presidente Alckmin tem consciência do esforço para introduzir Lula na presidência da República.
Não adianta o PT se refazer. É preciso encontrar a “síndrome” causadora de atos de corrupção e de outras mazelas individualizadas, que não adianta tratar isoladamente. Não é tarefa para uma só pessoa, mas para a sociedade e especialmente a comunidade científica. Estamos perdendo uma imensa chance de colaborar com o Brasil e com o mundo.
A Nação corre riscos enormes. O primeiro é o de perder-se em meio a uma verdadeira floresta de desafios de todos os tipos. O outro risco, não menor, consiste em cada um de nós agarrarmos teimosamente a uma árvore, arbusto ou a uma pequena touceira de sua predileção, depois de concluir desalentado que é impossível abarcar toda esta floresta de escândalos. Em meio a um caudal de tiradas líricas em prosa e verso, saudada como a panaceia universal para todos os males de que o País padece, surge uma infinidade de denúncias de corrupção e escândalos de toda a espécie.
Nesse sentido, a queda de um partido que se comportou o tempo todo como um termômetro moral, uma bússola moral, foi atacado exatamente nesse ponto e se transformou em biruta ao sabor das negociatas, colocou o País frente a duas possibilidades: quando o ex-ministro da Justiça Tarso Genro (melhor ministro da Educação na era PT) assumiu interinamente a presidência do partido e seu primeiro discurso é sobre a faxina moral, é evidente que a sociedade espera que os corruptos, enganadores, manipuladores, que são muitos, sejam apenados conforme a lei; no entanto, ideologizar isso e novamente propor à Nação um projeto de pureza moral, é novamente criar ilusão. É do tipo “não aprendi nada”, que diz à população: vocês tinham razão de esperar muito do PT porque nós somos a reserva moral da Nação. Houve um “probleminha” entre nós, mas continuamos sendo a reserva moral da Nação. Essa “cegueira pessoal” pode ser solução imediata para o partido, mas a médio e longo prazo não funciona. Não descarta a possibilidade de o grupo de petista que assumiu a condução do partido nos últimos anos tenha chegado ao poder já com más intenções (mas exclui dessa turma o presidente da República), não sendo apenas resultado da corrupção do poder.
As dificuldades naturais de desbravamento de um País de porte gigantesco como o nosso, só podem ser superadas mediante a aplicação sistemática dos seus recursos, em obediência a uma hierarquia de prioridades. A ausência da Administração nos problemas da educação e da saúde, agravando, criminosamente a grande chaga da nossa atualidade, realizou, também, um dos maiores escândalos dos nossos dias. Ao governo não lhe será lícito, a qualquer título, ainda que sonoro ou pomposo, procrastinar o atendimento das necessidades basilares de saúde, educação e cultura.
Cuidado com as ditaduras do neoliberalismo!
As exercidas em nome de uma classe traem-lhe as prerrogativas mais elementares. Negam-lhe a liberdade de trabalho. Destroem-lhe os sindicatos. Proíbem-lhe a luta pelo acesso legítimo. Convertem em crime o que é de direito. Cerceiam a livre expressão do pensamento. Suprimem as assembleias. Desmancham a família. Subtraem, ao convívio humano, o calor da amizade e a ternura da confiança.
A terminologia política a quem muitos continuam apegados, na velha Europa, não tem mais o sentido lógico que assumiu em certa fase da história das ideias. Os conceitos que alicerçaram esquerda e direita, na fase que culminou com o embate entre fascismo e bolchevismo, mudaram de natureza, em consequência da Segunda Guerra Mundial.
De um lado, vemos tradicionais partidos socialistas da Inglaterra e da Alemanha, revendo postulados fundamentais de seus programas, mas, de outro lado, assistimos – sem que os preceda um ideário nítido – a saltos sociais da envergadura dos operados no Egito, na Índia, na China, na Venezuela, em Cuba, na África.
Precisamos encarar o problema social com olhos que enxerguem, liquidando o engano segundo o qual os cidadãos podem pleitear do Estado, como se este fosse arca sem fundo, na qual a todos é permitido meter as mãos, sem que os tesouros jamais se esgotem.
O Estado somos todos nós.
O Estado é, apenas, o construtor e o supervisor da fortuna coletiva.
A nossa renda nacional resulta, e só, daquilo que produzimos, consumimos e exportamos.
Somente dessa renda podemos participar, somente ela é suscetível de partilha. Se, como cardume de piranhas, precipitarmo-nos sobre ela, cada qual abocanhando o quinhão do seu apetite, nada sobrará para os investimentos indispensáveis ao progresso e, dentro de pouco tempo, seríamos compelidos a implorar à caridade internacional.
Nos países cujas instituições foram derrubadas em consequência do êxito de guerras fratricidas, o que vemos não é a instauração do reino dos céus.
Ao contrário, daí por diante, ficaram proibidas todas as reivindicações, abolida toda a liberdade, suprimida a crítica. Em lugar de mil patrões a disputar o artífice no mercado da concorrência, um só patrão, prepotente e autoritário, dita salários, as horas de serviço e as cotas de produção. Em lugar da distribuição da terra, a sua estatização. Em face do grande império centrai, que tudo vê e tudo prevê, nenhuma pequena nação, mesmo afim ou irmã, mantém a licença de falar em nacionalismo.
O Brasil é um país, notoriamente, ávido de capitais; de reduzida taxa de poupança. O fenômeno decorre do baixo nível de renda real “per capita”, em consequência de um volume insuficiente de investimentos, como decorrência, inclusive, daquela mesma falta de poupança. Trata-se de círculo vicioso, que nossa política econômica tentou romper, no após-guerra. Através do regime cambial, resultante de medidas discutíveis, quanto ao mérito, aos poucos se compôs um sistema, por via do qual, os ganhos do comércio externo foram dirigidos para investimentos industriais. Por meio do chamado “confisco cambial” extraiam-se vantagens da posição estatística do café e dos preços internacionais das matérias-primas e gêneros alimentícios, durante e depois da guerra da Coréia. A concomitância do regime cambial vigente, com a expansão inflacionária interna, gerou, como é do conhecimento de todos, uma transferência de poder aquisitivo, deslocando-se do setor exportador, para o setor importador de nossa economia. Efetuaram-se, assim, grandes importações de equipamentos e matérias-primas para investimentos. Quando as possibilidades de expansão se reduziram, recorreu-se, largamente, a financiamentos do Exterior, para manter elevado o nível das importações.
Não assinamos tratados da natureza da OTAN e não estamos absolutamente forçados de maneira formal a intervir na guerra fria entre o Oriente e o Ocidente. Estamos, portanto, em situação de seguir nossa indicação natural e atuar s energicamente em prol dá paz e do relaxamento da tensão internacional.
Não sendo membro de bloco algum, nem mesmo do bloco neutralista, preservamos nossa liberdade absoluta de tomar nossas próprias decisões em casos específicos e à luz de sugestões pacíficas em consonância com nossa natureza e História. Um grupo de nações, especialmente da Ásia, tem também o cuidado de permanecer à margem de qualquer choque de interesses, que são invariavelmente os das grandes potências e não necessariamente os de nosso país, quanto mais da paz mundial.
É preciso levar ao conhecimento do mundo o fato de que o Brasil está aumentando intensivamente sua produção, com vistas não apenas ao seu mercado doméstico, mas especificamente procurando atrair outras nações. De um ponto de vista econômico, a divisa do meu governo é “Produzir tudo, porque tudo que for produzido é comerciável”. Sairemos à conquista desses mercados; em casa, na América Latina, na África; na Ásia, na Oceânica, em países sob a democracia e naqueles que se uniram ao sistema comunista. Os interesses materiais não conhecem doutrina e o Brasil está atravessando um período em que sua própria sobrevivência como nação, ocupando uma das áreas mais extensas e privilegiadas do globo, depende da solução dos seus problemas econômicos. Nossa própria fidelidade ao sistema democrático de vida está em jogo nessa luta pelo desenvolvimento. Uma nação como a nossa, com 220 milhões de habitantes e com o mais alto índice de crescimento populacional do mundo, não permitirá sequer uma diminuição da velocidade do seu movimento em direção à plena utilização de sua própria riqueza.
Sem medo de errar, posso dizer que a experiência de progresso democrático que está sendo levada a efeito no Brasil é decisiva, tanto para a América Latina quanto para todas as áreas subdesenvolvidas do mundo. Portanto essa experiência é do maior interesse para nações prósperas, que são também orgulhosas de serem livres. Elas assim continuarão desde que o sucesso coroe os esforços, em prol da emancipação econômica, das nações subdesenvolvidas vivendo sob o mesmo sistema. A liberdade, mais uma vez, torna-se o produto da igualdade.
É preciso frisar que a ideia por trás da política externa do Brasil e sua implementação tornaram-se agora o instrumento para uma política de desenvolvimento nacional. Como parte importante de nossa vida de nação, a política externa deixou de ser um exercício irreal, acadêmico levado a efeito por elites absortas e fascinadas; tornou-se o tópico principal da preocupação diária.
Com ela, buscamos objetivos específicos: em casa, prosperidade e bem-estar; no exterior, viver juntos, amigavelmente, e em paz no mundo.