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Hayek e a arrogância do poder – por Marcos Cintra

Hayek, em seu famoso discurso “A Pretensão do Conhecimento” feito durante as cerimônias do Nobel em 1974, faz uma crítica aguda à arrogância tecnocrática. Ele ressalta que a verdadeira sabedoria, particularmente em economia, está em reconhecer os limites estruturais do conhecimento humano e na valorização de arranjos institucionais que respeitem essa limitação.

O discurso de Hayek serve como advertência contra a proliferação normativa e a crença tecnocrática de que o Estado pode prever, controlar e solucionar todos os conflitos por meio de regras centralizadas. No caso tributário brasileiro, o excesso de regras e a tentativa de controle absoluto são a própria expressão da “pretensão do conhecimento”, sendo essa a raiz de grande parte dos conflitos e da insegurança jurídica.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que autorizou o Executivo a alterar as alíquotas do IOF por decreto e, no mesmo movimento, exclui o risco sacado da incidência do tributo, coloca em evidência questões fundamentais sobre os limites do poder institucional. É possível reconhecer méritos técnicos na exclusão do risco sacado; a decisão encontra respaldo em fundamentos jurídicos e econômicos que demonstram a natureza distinta dessa operação em relação a outros créditos, justificando, portanto, seu tratamento diferenciado. No entanto, o mérito pontual não isenta o STF de críticas mais amplas quanto à forma como exerce seu papel diante da complexidade do sistema tributário brasileiro.

O que mais inquieta é o modo como o tribunal constrói exceções, outorgando a si próprio a prerrogativa de avaliar, caso a caso, quais operações merecem tratamento tributário distinto. Essa é precisamente a “pretensão do conhecimento” problematizada por Friedrich Hayek: a crença de que seria possível, de uma posição central de poder, compreender e hierarquizar todas as variáveis envolvidas nas diferentes modalidades de crédito e suas consequências para o sistema financeiro, o mercado e a justiça fiscal.

O STJ tem ido muito além do julgamento de casos quanto à sua legalidade, adentrando caminhos de definição de políticas públicas discricionárias. Hayek argumenta que a sabedoria social é distribuída, plural e difícil de ser agregada. Quando o STF, com base em distinções técnicas muitas vezes opacas para o público, permite benefícios tributários para determinadas operações e não para outras, ainda que asilado na lei, opera com um grau de arbitrariedade que fragiliza a previsibilidade e a legitimidade institucional. O tribunal, na ânsia de calibrar as decisões conforme casos específicos, parece desconsiderar o risco de capturas privadas e de distorções sistêmicas fora do alcance do debate público.

Esses casos mostram como o STF, ao assumir papel de árbitro econômico, opera na contramão do princípio hayekiano de humildade institucional. Ao centralizar decisões altamente técnicas, coloca em risco a previsibilidade normativa e a racionalidade econômica do país, estimulando, inclusive, movimentos estratégicos dos atores econômicos para “judicialização de políticas” ao invés do legítimo debate no Legislativo.

Hayek visualizava exatamente esse perigo: a substituição da ordem espontânea, resultado do aprendizado difuso e da livre interação social, por comandos vindos de “oráculos iluminados” – entre eles, cortes constitucionais que, por melhor intencionadas, não têm acesso ao conhecimento detalhado e mutável sobre as consequências de suas intervenções.

O prejuízo não é apenas fiscal ou econômico: mina-se a confiança da sociedade de que as regras do jogo são estáveis, transparentes e definidas por quem deve: o processo democrático legislativo. O STF, ao decidir com base em um falso domínio do saber econômico, não apenas extrapola sua função; reincide no histórico equívoco apontado por Hayek – o da arrogância institucional de pretender saber o que, de fato, apenas o tecido plural da sociedade pode construir de maneira legítima e eficaz.

É imprescindível, portanto, que mudanças e exceções tributárias se deem no âmbito do Congresso Nacional, onde há pluralidade, transparência e possibilidade de revisão constante. O STF deveria limitar-se a garantir a constitucionalidade e a isonomia do sistema, sem ceder à tentação de se tornar árbitro casuístico de cada exceção tecnicamente sedutora, pois isso mina sua legitimidade e alimenta o risco de decisões pouco controláveis. A humildade institucional, como Hayek ensinou, é condição indispensável para uma ordem verdadeiramente democrática.

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