“O mundo mudou e foi bem na nossa época”.
Muitas pessoas devem repetir essa frase periodicamente. Para alguns é dita com alegria e, para outros, nem tanto. Acompanhar esse mundo contemporâneo onde as mudanças acontecem com grande velocidade não é para qualquer ser humano. A poucas décadas estávamos na máquina de datilografia e hoje estamos utilizando um conjunto de tecnologias disruptivas como robótica, inteligência artificial, a chamada internet das coisas, onde cada vez mais dispositivos, equipamentos e objetos serão conectados uns aos outros por meio da internet. Os bebês no colo das mães brincando com celulares e outros equipamentos eletrônicos. Algumas escolas de educação infantil e ensino fundamental usando a tecnologia digital como mais um recurso no processo de pré-alfabetização e alfabetização.
Temos que entender que a tecnologia digital pode ser capaz de trazer muitos benefícios à vida das pessoas com e sem deficiência visual. Isso não se discute. Computadores com softwares especiais, internet, smartfones, aplicativos, redes sociais: muitas transformações aconteceram nas últimas décadas, principalmente na forma de nos comunicarmos. O problema é que, ao nos deslumbrarmos com esses avanços tecnológicos, podemos nos esquecer de algumas questões absolutamente essenciais, básicas, e ao mesmo tempo profundamente transformadoras: a alfabetização e a leitura.
No caso das pessoas com cegueira, alguns pais, educadores, gestores educacionais e governantes se esqueceram da importância do ensino do Sistema Braille.
O sistema foi criado por Louis Braille, no século XIX, em 1825. Louis Braille gênio, cego desde a primeira infância, iniciou seus estudos no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, onde desenvolveu o sistema que veio a ter o seu nome, com apenas quinze anos de idade. Esse sistema por ser tátil, deu às pessoas cegas ao redor do mundo o incrível poder transformador da leitura e do conhecimento escrito.
Ao ver uma criança, cega ou não, utilizando um computador sozinha, muitos pais (nascidos em tempos em que essa tecnologia quase não existia) se surpreendem e se espantam. Acabam concluindo que apenas esse domínio, tão simples para quem tenha nascido no século XXI, seja o suficiente para o desenvolvimento e independência. Mas isso é um erro grave. Aprender o Sistema Braille e utilizá-lo equivale a dominar o alfabeto escrito para as pessoas sem deficiência visual e a conhecer diferentes níveis de linguagem. É a maneira de ter acesso a pensamentos complexos, universos distintos. É adquirir a liberdade que apenas o conhecimento dá, gerando inclusive capacidade de escolher o que é melhor ou pior no mundo da tecnologia. É aprender a utilizá-la de uma maneira que seja ainda mais profunda e benéfica- e isso é absolutamente necessário para qualquer um de nós que queira ser verdadeiramente independente e se desenvolver como ser humano. Infelizmente, por ignorância ou desrespeito às pessoas com deficiência visual, o complemento toma lugar do primordial (Sistema Braille), na formação educacional inicial das pessoas com deficiência visual, tornando-as muitas vezes, no futuro, analfabetas funcionais.
No Brasil o Sistema Braille chegou pelas mãos de José Álvares de Azevedo, que nasceu cego e foi, com dez anos de idade, estudar no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris. De volta ao Brasil, José de Azevedo escreveu diversos artigos para jornais, falando sobre as possibilidades de educação de crianças e jovens cegos. Azevedo conseguiu, por intermédio do Barão do Rio Bonito, uma entrevista com o imperador D. Pedro II, durante a qual fez uma demonstração de leitura e escrita em braille. Impressionado com o desempenho de Azevedo, o imperador determinou que fossem tomadas as providências para a instalação de uma escola para cegos no Rio de Janeiro, assim nasceu em 1854, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos hoje Instituto Benjamin Constant.
Uma das pessoas que mais trabalhou para que o Sistema Braille fizesse parte da vida das pessoas cegas no Brasil foi Dorina de Gouvea Nowill. Criou em 1946 a Fundação para o Livro do Cego no Brasil, posteriormente, Fundação Dorina Nowill para Cegos. Atualmente, a Fundação Dorina é a maior gráfica braille da América Latina em capacidade de produção.
O Brasil comemora no dia 8 de abril, o Dia Nacional do Sistema Braille, é celebrado em alusão a data do nascimento de José Alvares de Azevedo.
Nesta data é importante reafirmar para governantes, gestores educacionais, professores e familiares de que a alfabetização de uma criança que nasceu cega ou que perdeu a visão nos primeiros anos de vida só é possível por meio do Sistema Braille.
Saber ler e escrever sempre teve, tem e terá relevância para as pessoas. No passado, a alfabetização era privilégio de poucos e, no presente, um “direito de todos”. Mas ainda segue sendo um privilégio. Esse direito ainda encontra barreiras para que se torne realidade, em especial no que concerne a palavra “todos”.
Ika Fleury – Especialista em Educação