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Metade da vida passou. A melhor parte está só começando – por Cristiane Sanchez

Você já acordou com quarenta e poucos anos sentindo que metade do filme passou e você ainda não entendeu o roteiro? De repente, o trabalho que sustentou a família parece uma prisão dourada, o casamento vira rotina morna, o espelho devolve um estranho com rugas que você jura que não estavam ali ontem. A morte deixa de ser uma ideia longínqua que acontece com os outros.

A sociedade chama isso de “crise da meia-idade” e trata como piada de boteco ou desculpa para comprar moto e arrumar amante vinte anos mais novo. Mas a psicanalista francesa Françoise Millet-Bartoli, no livro que se tornou referência no assunto, entrega um diagnóstico mais generoso e revolucionário: o que você está vivendo não é crise. É parto.

Sim, parto. Doeu na adolescência quando você deixou de ser criança. Dói agora quando você está sendo obrigado a deixar de ser o “personagem” que construiu para ser aceito: o filho perfeito, o profissional bem-sucedido, o cônjuge que nunca reclama, o pai ou mãe que nunca falha. Aos 40–55 anos você quer gritar: “Chega de máscara. Quero ser eu.”

Esse grito tem sintomas claros. Você olha para trás e percebe que muitas escolhas foram feitas para agradar alguém: pais, professores, chefe, sociedade. “Eu deveria ser advogado como meu pai queria”, “eu deveria casar e ter filhos antes dos 30”, “eu deveria ganhar X para ser respeitado”. De repente, essas vozes alheias ecoam tão alto que abafam a sua própria.

O corpo também entra na conversa. Ele envelhece na frente do espelho e lembra, sem piedade, que o tempo é finito. Alguns reagem com depressão que paralisa; outros com impulsos radicais de jogar tudo para o alto: emprego, casamento, cidade.

Millet-Bartoli aborda a famosa manifestação externa dessa crise: o Démon de midi (o demônio do meio-dia), que é a tentação irresistível de buscar uma “segunda juventude”. Isso pode se manifestar na busca por relacionamentos extraconjugais, na mudança impulsiva de carreira ou em gastos excessivos.

Mas aqui vem a boa notícia que quase ninguém conta: quem atravessa esse vendaval com consciência sai do outro lado mais vivo do que jamais foi aos 25 anos. Porque, pela primeira vez, começa a viver em primeira pessoa.

Millet-Bartoli compara a meia-idade à adolescência ao contrário. Na adolescência você saiu de casa (fisicamente ou simbolicamente) para conquistar o mundo. Na meia-idade você sai do mundo que conquistou para voltar para casa – a casa interior. É o momento da individuação, conceito caro a Jung: tornar-se inteiro, integrar tudo o que foi reprimido, aceitar a sombra, ouvir os desejos que foram enterrados por “falta de tempo” ou “bom senso”.

E como se faz isso na prática?

Primeiro, aceitando o luto. Luto do corpo de 20 anos. Luto da ilusão de que teríamos tempo infinito. Luto dos sonhos que embalamos na juventude e que sacrificamos no altar da segurança. Dizer adeus dói, mas é o único caminho para dizer olá ao que ainda pode nascer.

Segundo, fazendo o balanço honesto da primeira metade da vida. Pegue papel e caneta e escreva três colunas impiedosas:

  1. O que realizei e ainda me orgulha.
  2. O que realizei, mas já não tem mais sentido.
  3. O que nunca fiz e ainda me chama profundamente.

A maioria das pessoas descobre, estarrecida, que a coluna 3 é a mais longa. É aí que mora o tesouro.

Terceiro, devolvendo aos outros o que nunca foi seu. Escreva (e depois queime) a carta que nunca enviará aos seus pais dizendo tudo o que você fez ou deixou de fazer para não decepcioná-los. Nesse gesto simbólico você percebe que metade das correntes que carregava não eram suas.

Quarto, perguntando à criança que você foi o que ela ainda quer viver. Olhe uma foto sua de 7, 8 anos e pergunte: “O que você sonhava que eu fizesse e eu ainda não fiz?” A resposta costuma chegar rápida e cristalina, e quase sempre envolve criar, brincar, ousar, amar sem medo.

Por fim, dar o primeiro passo pequeno na direção do projeto que foi adiado. Não precisa largar tudo amanhã. Precisa apenas começar. Um curso de aquarela às quartas-feiras. Um fim de semana sozinho escrevendo o livro que você carrega há vinte anos. Uma conversa franca com o cônjuge dizendo: “Quero me apaixonar por você de novo – me ajuda?”

Porque o casal também tem escolha: evoluir junto ou, quando já não há mais amor nem projeto comum, separar-se com respeito e gratidão. Ficar num casamento morto por medo ou conveniência é a forma mais rápida de envelhecer a alma.

O que nasce depois dessa travessia? Um adulto de verdade. Não o adolescente prolongado que a maioria de nós foi até os 40, vivendo para provar valor, acumular status, evitar rejeição. Um adulto que troca o “ter” pelo “ser”, o aplauso externo pela paz interna, o poder pelo sentido.

Homens descobrem o direito de chorar e de cuidar. Mulheres descobrem o direito de liderar e de dizer não. Ambos descobrem que a segunda metade da vida pode ser a mais criativa, a mais erótica, a mais espiritual de todas, justamente porque não precisa mais provar nada para ninguém.

A crise da meia-idade é um convite brutal, mas generoso: “Você já construiu a casa que os outros pediram. Agora construa a sua.”

Quem aceita o convite sai do deserto com rugas, sim, mas com olhos que brilham como nunca. Quem recusa fica biologicamente vivo, mas emocionalmente aposentado aos 45.

E a boa notícia final? É exatamente agora que o tempo começa a contar de verdade.

A meia-idade não chega para tirar nada de você.
Ela chega para devolver.

Devolve a voz que você silenciou,
o desejo que você adiou,
a coragem que você emprestou aos outros,
e o direito de viver a sua própria vida — inteira, imperfeita, luminosa.

Se a primeira metade foi sobrevivência,
a segunda é escolha.

A verdadeira “segunda chance” não é rejuvenescer, mas reorganizar a vida por dentro.

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