De uma vez por todas e para que fique bem claro, não existe o crime de “fake news”. Propalar notícia falsa só será conduta criminosa se houver adequação típica em uma normal penal incriminadora, isto é, que exista no ordenamento jurídico, como crime contra a honra, ameaça, racismo, incitação ao crime ou apologia a criminoso.
Com efeito, não é crime criticar as urnas eletrônicas, as vacinas, o distanciamento social, dentre outras condutas semelhantes, posto que o sujeito estará a exercer o direito constitucional de livremente se expressar (art. 5º, IV, da CF). Mesmo que a notícia seja falsa, mas não se enquadrar em um tipo penal expressamente previsto em lei e que tenha seguido o trâmite legislativo regular, não há crime a punir.
A única conduta que podemos chamar de “fake news eleitoral” está prevista no artigo 323 do Código Eleitoral, cuja redação foi alterada pela Lei nº 14.192/2021, que diz: “Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado: Pena – detenção de dois meses a um ano ou pagamento de 120 a 150 dias-multa”.
Referida norma penal somente é aplicável na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral e exige que o agente saiba que os fatos são inverídicos (dolo direto) e que sejam eles capazes de influir perante o eleitorado, não sendo elemento do tipo que tenham potencial para definir a eleição.
Lembro que a Lei de Segurança Nacional foi revogada e que a Lei que define os crimes que atentam contra o Estado Democrático de Direito (Lei nº 14.197/2021), que revogou a primeira, não mais prevê crimes de opinião, que se encontram elencados no Código Penal ou em outra lei especial, como a que pune os crimes de racismo e o próprio Código Eleitoral, aplicável de forma restrita às eleições ou que a conduta a elas atinja ou tenha o potencial de atingir.
A norma penal aplicável a delito de opinião que, em tese, atenta contra a ordem democrática, está prevista atualmente no parágrafo único do artigo 286 do Código Penal, que diz: “Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”. A pena para este delito, nos termos do “caput” do dispositivo, é de três a seis meses de detenção, ou multa, sendo, portanto, crime de pequeno potencial ofensivo, passível de transação penal e que muito dificilmente ensejará pena detentiva ou decretação de prisão cautelar (temporária ou preventiva).
Minha sugestão para reduzir o crescente número de notícias falsas (fake news) divulgadas pela mídia em geral e pela Internet é incluir no Código Penal o crime de notícia falsa, assim definido: “Art. 299-A. Divulgar, por qualquer meio, fato que sabe ou deve saber ser inverídico ou alterado, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou para causar a terceiro dano material ou moral: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Se a divulgação se dá pela mídia ou rede mundial de computadores, a pena é aumentada da metade.
Como o tipo é doloso (dolo direto ou eventual) não há como o sujeito alegar violação ao direito de informar, uma vez que nenhuma garantia constitucional pode ser empregada para prejudicar indevidamente direito de outrem e notadamente para cometer delitos.
O direito de comunicação existe para serem divulgadas notícias verdadeiras e não inverídicas ou deturpadas.
A norma, caso existisse, alcançaria a todos que tornassem público ou compartilhassem o fato, inclusive os profissionais de comunicação.
O grande problema é definir o que seja notícia falsa, posto que a verdade está nos olhos de quem a vê. O que pode ser falso para uns pode ser verdadeiro para outros, a depender do ponto de vista de cada um e o subjetivismo na análise de determinado fato.
Não há uma definição jurídica e dificilmente será possível chegar a uma conclusão condizente com a realidade quando a matéria for controvertida, malgrado, em algumas hipóteses, despontar de plano a mentira e o ardil.
Com efeito, só pode ser considerado como falso o fato que não possui nenhum fundamento fático, científico, político, econômico ou jurídico. Possuindo algum lastro, mesmo que pequeno, não é falso, apenas não é majoritariamente aceito.
Divulgar notícia falsa pode ensejar a perda do mandato eletivo ou impedir o registro da candidatura, mormente se houver abuso de poder político ou econômico com potencial de repercutir nas eleições ou no eleitorado. Também pode constituir ilícito civil se causar dano, material e/ou moral, a terceiro, ensejando o dever de indenizar (art. 927, do CC). Portanto, a punição pode ocorrer no âmbito extrapenal e, na esfera penal, naqueles casos já mencionados em que a conduta esteja tipificada em uma norma penal incriminadora.
Resumidamente, não existe crime de notícia falsa e qualquer conduta, para que seja passível de punição no âmbito penal, deve estar expressamente prevista em uma norma penal incriminadora, cuja vigência lhe seja anterior, observado o princípio da legalidade, direito fundamental contido no artigo 5º, inciso XXXIX, da Magna Carta.