Há décadas, o Brasil vive aprisionado em um ciclo de dependência política e econômica cuidadosamente mantido por um modelo que podemos chamar de “maniqueísmo fiscal”, a arte de usar o sistema tributário e os programas assistenciais como engrenagens de poder.
Sob o verniz de políticas sociais, governos de diferentes matizes ideológicas têm recorrido a mecanismos populistas que, em vez de promover a emancipação do cidadão, aprofundam a sua dependência do Estado. Esse é o núcleo do maquiavelismo moderno, não mais o controle pela força, mas pelo assistencialismo. Assim, em nome da “justiça social”, multiplicam-se subsídios, auxílios e programas de transferência de renda financiados por uma máquina arrecadatória que asfixia a base produtiva da sociedade. O resultado é paradoxal; enquanto o Estado se endivida e aumenta impostos, o trabalhador formal e o empreendedor, que sustentam a arrecadação, veem-se cada vez mais punidos por produzirem.
A retórica oficial, entretanto, transforma o contribuinte adimplente em vilão. Para justificar o aumento da carga tributária, o governo cria uma narrativa maniqueísta, contrapondo o “povo desvalido” à “classe média privilegiada”. Essa divisão artificial serve apenas a um propósito, manter o poder pela fragmentação social. O maniqueísmo fiscal opera sob uma lógica perversa. Em vez de combater a sonegação, o contrabando, a lavagem de capitais e a evasão de divisas, verdadeiras fontes de desequilíbrio econômico e fiscal, o governo brasileiro prefere o caminho mais fácil, o de tributar mais quem já paga muito. Essa política não apenas viola o princípio da capacidade contributiva, consagrado na Constituição, como destrói o incentivo à produção e ao investimento.
A Receita Federal como órgão precedente de controle fiscal, que deveria ser o instrumento técnico apropriado de fiscalização e por decorrência o meio de justiça fiscal, é frequentemente relegada ao segundo plano, com os seus parcos funcionários expostos à incertezas, enquanto se multiplicam medidas emergenciais de arrecadação, leis casuísticas e interpretações judiciais que ampliam a tributação sobre a mesma base de contribuição, sob o pretexto de “justiça fiscal”. Assim, ao invés de agir com eficiência utilizando a expertise dos agentes da Receita Federal, o governo age com imprudência esgotando a base contributiva. O efeito final é um país estagnado, onde o assistencialismo substitui a política de desenvolvimento e a dependência do Estado toma o lugar da liberdade econômica. Nesse sistema, o assistido torna-se refém das benesses governamentais e o contribuinte produtivo, refém da sanha arrecadatória. Ambos são peças de um mesmo tabuleiro abusivo de controle social. Esse modelo perpetua um paradoxo cruel, quanto mais o Estado “ajuda”, mais pobre o país se torna. A renda não cresce, o emprego não se expande e a dívida pública aumenta, sustentando uma estrutura cada vez mais pesada e ineficiente.
Superar o maniqueísmo fiscal exige coragem política e compromisso institucional dos nossos representantes eleitos, recaindo sobre os brasileiros, independentemente de seu viés ideológico, o dever escolherem os mais probos e competentes e não deixarem-se ludibriar pelos falastrões. É necessário abandonar o discurso fácil do assistencialismo e investir em uma reforma tributária real, capaz de reduzir distorções, simplificar o sistema e valorizar quem produz e não optar por uma artimanha tributária que vise apenas o incremento fácil da arrecadação e a sua centralização nas mãos do governo central.
Mais do que redistribuir renda, o Estado precisa criar condições para gerar riqueza, fortalecendo o combate à sonegação, à evasão de divisas, à lavagem de dinheiro e ao descaminho aduaneiro em todas as suas nuances, desde a subvaloração até a contrafação de mercadorias. A verdadeira justiça social não nasce da esmola oficial, mas da liberdade econômica, da responsabilidade fiscal e da competência da coerção institucional. Enquanto o poder político continuar se sustentando sobre a divisão da sociedade, tendo de um lado, os dependentes, seus potenciais eleitores, e de outro, os onerados, seus supostos opositores, o país permanecerá aprisionado no círculo vicioso do maniqueísmo fiscal, carnicão da decadência moral e social da nação. Findar esse ciclo é uma exigência cívica independentemente do viés ideológico, é preciso substituir a manipulação pela competência, o populismo pela justiça, e o Estado assistencialista por um Estado eficiente e justo, sob o risco de perdermos a nação.
“ A cada tributo pago há o quinhão de suor e lágrimas de quem realmente produz e
sustenta a nação.”
O maniqueísmo fiscal: como se manter no poder dividindo a nação – por Foch Simão
