Na contramão de análises de cientistas políticos e projeções de institutos de pesquisa sobre o resultado do segundo turno da eleição presidencial na Argentina, penso ser pouco provável que Javier Milei consiga a votação necessária para comandar o país vizinho. Populista de extrema direita conhecido como El Loco, ele justifica o apelido com propostas radicais de governo como dolarizar a economia e extinguir o Banco Central. Isto, num país quebrado, endividado e uma taxa de inflação beirando 200% no final do ano, enquanto 4 de cada 10 argentinos vivem abaixo da linha de pobreza. Apesar de tudo, Milei conquistou a simpatia dos jovens cansados da casta política que governa o país há décadas, e espera obter o apoio dos eleitores da centro-direita de Patrícia Bullrich, ex-ministra do governo anterior e 3* colocada no primeiro turno.
Mas El Loco tem pela frente alguns obstáculos a superar no seu projeto de ocupar a Casa Rosada. O principal deles é o fato de o argentino ser considerado o povo mais politizado do continente, seguido dos chilenos. Outro, igualmente importante, foi a desastrosa entrevista dada em Buenos Aires pelo seu apoiador travestido de marqueteiro politico, o deputado brasileiro Eduardo Bolsonaro. Há uma semana, Milei tinha 36% das intenções de voto (Sérgio Massa tinha 30% e Patrícia, 26%) e as pesquisas o apontavam como favorito para ganhar a eleição em primeiro turno. A repercussão negativa da entrevista, combinada ao nível de politização do amplo segmento conservador argentino -Milei defende também romper relações com o Vaticano, chefiado pelo Papa argentino Francisco Bergoglio- resultou em uma desidratação de 6% na votação dele e 2% na de Patrícia, enquanto a de Massa cresceu pouco mais de 6%.
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Acompanhado de vários deputados federais aliados da família, Eduardo Bolsonaro -apelidado de Bananinha, filho do mito dos pés de barro- viajou a Buenos Aires para apoiar o candidato Javier Milei, que se identifica muito com a linha política dos ex-presidentes de extrema direita Jair Bolsonaro e Donald Trump/EUA. Provavelmente, o deputado Bolsonaro e o grupo de turistas parlamentares foram à Argentina usando recursos públicos.
Domingo último, frente ao comitê central da campanha de Milei, Eduardo Bolsonaro concedeu entrevista à rede C5N, um dos mais importantes canais de tv da Argentina. Indagado sobre o motivo da sua presença no país no dia da eleição, o deputado manifestou apoio à candidatura de Javier Milei : “acredito que ele tem todas as condições de implantar aqui uma política semelhante à do governo Jair Bolsonaro, no Brasil”. Ao defender o porte de armas aos cidadãos argentinos para uso em legítima defesa, o apresentador da tv Gustavo Sylvestre, jornalista e analista, interrompeu a entrevista e disse pronta e ironicamente ao deputado Bolsonaro : “Muito generosa é a Argentina, e o povo argentino, por receber esse tipo de gente em nosso país… Por isso que os brasileiros, com razão, tiraram o seu pai do poder”. E encerrou a transmissão.
Polarização
Nas duas últimas eleições presidenciais (2018 e 2022), o Brasil viveu situação parecida à enfrentada nos dias atuais pela Argentina, particularmente no que diz respeito à polarização política entre a esquerda e a extrema direita.
Em 2018, com Lula preso, o petismo lançou Fernando Haddad à presidência da república. Com parte do eleitorado sem opções no campo da centro-direita, o militar extremista de direita Jair Bolsonaro -inexpressivo deputado federal- foi eleito presidente com votos dos eleitores cansados dos escândalos de corrupção nos governos petistas.
Libertado em 2021 pelo STF com a anulação da sua condenação -ele não foi inocentado- em 2022 Lula disputou a presidência da república contra a reeleição de Bolsonaro, consolidando o processo de polarização política no país. Um grande contingente de eleitores ficou sem opção de voto consciente.
Ao final, elegeu-se por uma pequena margem de votos, garantidos em parte pelo ex-governador e companheiro de chapa Geraldo Alckmin, de centro-direita, e por eleitores preocupados com a postura autocrática de Bolsonaro.
Na Argentina, Juan Domingo Perón chegou ao poder em 1946 e governou até 1955, quando foi deposto pelos seus colegas militares. Exilado e anistiado, retornou ao país e foi eleito novamente em 1973, morrendo no ano seguinte. Pouco mais de sete décadas após sua morte, a imagem da viúva Evita Perón -atriz, política, ativista e filantropa- mantém acesa a chama do peronismo no inconsciente argentino: um populismo marcado pela capacidade de mobilização das massas.
Ao longo do século XX, o povo argentino sofreu os horrores da violência praticada por 6 ditaduras militares, enquanto representantes do peronismo completam este ano 20 anos de governo, com Cristina Kirchner como vice-presidente de Alberto Fernandes.
Até o segundo turno da eleição presidencial, em 19/11, acredito que uma parte substancial dos eleitores cansados do peronismo e daqueles que se identificam com o programa da centro-direita rejeitarão o extremismo de Javier Milei e migrarão para a candidatura de Sérgio Massa.
Em cenário de polarização política num país mergulhado em uma das maiores crises da sua história, o voto ideológico, consciente, poderá ser substituído pelo voto da esperança contra a certeza do caos.