MARÇO DE 1986.
Eleição para Senador da República com duas vagas para cada estado.
Por São Paulo, pelo PMDB, concorria Mario Covas, que havia deixado o cargo de prefeito da capital no ano anterior, desfrutando de altos índices de aprovação. Mas a campanha se apresentou desafiadora, já que a cidade representava apenas 1/4 do eleitorado paulista e o PMDB também tinha outro destacado candidato ao Senado, o professor Fernando Henrique Cardoso, já Senador desde que Franco Montoro foi eleito Governador em 1982.
😖
Os palpiteiros de plantão e os pseudoanalistas eleitorais previam que o PMDB dificilmente abiscoitaria as duas vagas, já que outros partidos estavam competitivos, principalmente o PT, amalgamado nos braços do sindicalismo, das igrejas, das universidades e da classe artística. Estava, portanto, vitaminado. E festejavam os neopetistas adeptos do whisky nos botecos finos dos Jardins da mesma forma como outros, consumidores de cerveja e cachaça, festejavam nos amarfanhados botecos próximos aos Sindicatos instalados
no ABC e no Bairro da Liberdade, em São Paulo. Covas, para eles, disputaria como hipótese possível. “Candidato para cumprir tabela”, vaticinavam.
Sem recursos financeiros, sem marqueteiro que simulasse mágicas, sem apoio empresarial e com o indisfarçado desdém que recebia do candidato a Governador (Quércia) do mesmo PMDB, Mario Covas assumiu o papel de coordenador e marqueteiro da própria campanha.
🤨
Nesse momento, entrou em cena Lila Covas, mulher dinâmica e sem “papas na língua”. Usando uma gíria futebolística, ela “matou no peito” e entusiasmou os frequentadores do modestíssimo Comitê instalado em um sobrado de 300 m², com oito salas, três linhas telefônicas e uma portentosa frota composta de uma Kombi em condições precárias (queimando óleo e com pneus carecas), um velho Opala/Caravan 78 e um fusquinha amarelo equipado com o som das indefectíveis cornetas de caminhonetes dos vendedores de peixe.
Lila, muito ágil, antes que desmerecessem a candidatura, convocou “a equipe da prefeitura”, como ela costumava chamá-los, sabendo que todos estavam desempregados e, portanto, disponíveis para a empreitada. Eles se tornaram os seus “inhos” e “inhas”, sempre no diminutivo, pois Lila os tratava com afagos maternos.
Dentre os convocados, Zuzinha para coordenar do comitê, Malufinho para cuidar da agenda, Edsinho, Tiãozinho e Lurdinha para atividades partidárias, Frigerinho para administrar as finanças, Florzinha e Glorinha para atender núcleos, Faustinho para lidar com a informática, Cidinha para eventos, Claudinho como motorista da Kombi, Odairzinho como office boy, Almirzinho para cuidar do almoxarifado e eu, Serginho, para cuidar da infraestrutura da campanha. E também outros que se agregaram, como o Carlinhos Conde, que cuidou da imprensa.
Com a equipe formada, deu por iniciada a campanha.
Mario Covas também fez sua parte! Como não mandava no Comitê, concentrou-se na produção de TV, onde tinha que administrar à sua disposição “apenas” 90 segundos, três dias por semana. Mostrou-se criador e ator de primeira.
Banco alto de boteco (daqueles sem encosto), fundo infinito para não gastar com cinematografia. Esquetes de historinhas de passagens que vivera com o povo quando prefeito, teatralizava determinado assunto e finalizava, com semblante compenetrado, olho no olho com o telespectador, que atuaria para que não existisse mais caso semelhante fosse ele o destinatário do voto de quem o assistia. Encerrava com um discreto sorriso de agradecimento e reverência ao eleitor.
Golaços !!!
A campanha foi franciscana do início ao fim, liderada por Lila e seus dedicados e desconhecidos “inhos” e “inhas”. Mesmo desacreditado pelas cúpulas e esquecido pelos tradicionais financiadores, Covas, como pregador confiável e com suas historinhas fez a proeza de colher nas urnas quase 8 milhões de votos. O Senador mais votado do Brasil em 1986!
👏👏👏😊
JUNHO DE 1994
Campanha para governador de São Paulo.
Covas era considerado “quase eleito”. Cenário muito diferente de 10 anos atrás. Agora era paparicado por todos os segmentos e respeitado até pelos mais ferrenhos adversários.
Tudo estava caminhando bem, se não fosse pelo “pequeno” desafio de ter que escolher o seu companheiro da chapa, ou seja, o vice-governador. Covas solicitou ao partido que aguardasse sua decisão, pois estava cuidadosamente analisando perfis de lideranças. Mesmo assim, todos os dias acordava com a notícia de especulações, onde um dia o vice seria beltrano, de acordo com uma coluna social, e no dia seguinte, ciclano, de acordo com outra. Fora os vários autoproclamados candidatos que surgiam em sequência. Covas nada dizia. Apenas lia, ouvia, ria e, para irritação do entorno político, desconversava.
Chegado o dia do anúncio público Covas surpreendeu ao apresentar o jovem Geraldo Alckmin como seu vice. Deputado federal com os predicados de presidente da Comissão Estadual do PSDB, político com viés interiorano, exitoso prefeito de Pindamonhangaba, católico de ir à missa todos os domingos e muito humilde. E, para dar mais vigor ao seu escolhido, fez pompa ao discursar:
– “…foi um excelente Deputado Constituinte, que costurou resolutivamente assuntos espinhosos. Será o parceiro ideal para a vice-governança tal o volume de problemas que enfrentaremos para reconstruir o estado de São Paulo!”
Foi surpresa para os partidos aliados e para muitos membros do próprio partido, incluindo sua equipe de “inhos” e “inhas”.
Nesse momento, a sensata Lila Covas entra novamente em cena, determinando entusiasmada:
– “mais um INHO. O GeraldINHO. Comecem a campanha!”
A equipe revigorada, entrosada e sem melindres soube conduzir com sucesso as eleições de 1994 e 1998 para a dupla Covas-Geraldo. O destino fez a sequência e transformou a equipe triplamente vitoriosa nas eleições de 2002 após Lila Covas, ainda convalescendo da tristeza pelo falecimento do marido, determinar a todos os “inhos” e “inhas”:
– “Fiquem mobilizados para a reeleição do Geraldinho ao governo. Cada um faz o mesmo que fez nas eleições passadas. Tenho certeza de que seria a vontade do Mario”.
A partir desse último pedido, com as vitórias conquistadas e uma certa maturidade alcançada, cada um dos “inhos” e “inhas” gradualmente trilhou seu caminho. Restou em comum entre todos a profunda gratidão pelos exemplos e liderança inspiradora proporcionada por Mario Covas.
😊😊
NOTAS (que justificam o presente post):
1. Como um dos “inhos” frequentemente me perguntam sobre minha opinião a respeito de Geraldo Alckmin ser atualmente o vice-presidente de Lula. Respondo sinceramente que, apesar da empatia que permanece, não estamos juntos em campanhas desde 2008. Para evitar alongar esse texto, se demandado posso escrever sobre o assunto em outro momento.
2. HOJE, 16 de outubro de 2023, Lila Covas completaria 91 anos. Ela deixou uma legião de fãs saudosos pela forma como nos cativava a trabalhar em equipe, evitando disputas internas e infundindo um entusiasmo contagiante. Foi ao encontro do seu Mario, de forma natural, cinco dias após o início do cerceamento público na pandemia da COVID-19, o que me impossibilitou de estar presente para um adeus carinhoso e agradecido.
Parabéns, D. Lila! Somos todos gratos por seus exemplos!