Não sou pessimista, mas sinto-me desanimado e extremamente desiludido, pois a complexidade dos problemas nacionais, quiçá de todo o mundo, é de tal ordem e envergadura que exigiria um conjunto de soluções políticas, econômicas e sociais, muito mais profundas e estruturais do que se tem visto nas discussões que se apresentam atualmente. Mais notadamente no Brasil e principalmente agora.
Quando se iniciam os “debates políticos” deste novo período pré-eleitoral, o desespero é ainda maior, pois a mediocridade, o baixo nível, e até mesmo a má educação dos participantes, tomaram conta das discussões, numa demonstração inequívoca de quanto é despreparada nossa classe política. Um “show de horrores”.
Por ignorância, desconhecimento, imprecisão histórica e má-fé, a abordagem, quase sempre feita a partir de premissas irreais e incorretas, tem resultado em diagnósticos superficiais, no mínimo incompletos, e que não atingem sequer o cerne das questões. E com diagnósticos malfeitos passa-se “ao longe” das efetivas e concretas soluções.
Esses não são, evidentemente, problemas novos, tanto que fui ‘levado’ a escrever diversos artigos tratando do tema, mas considerando que “meu desânimo e minha desilusão” ainda se mantêm, volto ao assunto.
O objetivo de alguns daqueles textos, foi demonstrar, simplificadamente, que a economia é meio cujo fim maior resume-se na busca do bem-estar da sociedade no que diz respeito ao atendimento de suas necessidades básicas (pelo menos) de bens econômicos e serviços. Implícito está, portanto, criar condições para que todos os cidadãos, além de participarem do processo de produção, isto é, trabalhem, também usufruam, via justo processo de distribuição, do respectivo consumo.
Conclui-se, inclusive, uma vez compreendidos os fenômenos econômicos do mundo real, no qual as imperfeições de mercado e as leis e teorias formuladas se fazem presentes, que as classes dirigentes, a partir e principalmente do próprio governo, têm totais condições para desenvolverem e estabelecerem, via Programas e Políticas Econômicas, normas de comportamento que busquem respostas eficazes para esses problemas, característicos de toda e qualquer sociedade.
Por outro lado, e mesmo diante de algumas contestações e formas diferentes de se conceituar, aceita-se que o conjunto de estudos que se faz sobre os fenômenos econômicos possa ser chamado de ciência. E mais, e isto vale ser ressaltado, uma ciência social, posto que se relaciona ao comportamento da sociedade, em geral, e do ser humano em particular, com todas as características inerentes, das quais vale lembrar, a da sua irracionalidade durante o processo de tomada de decisões.
Consequentemente, ao se ter essa compreensão, isto é, da essência da ciência econômica, percebe-se que ela não pode estar limitada somente à busca das eficiências produtiva e de caixa, principalmente quando for em detrimento de outros objetivos tão importantes quanto esses. Jamais deve ser esquecido a imprescindibilidade de se buscar a melhor forma de se distribuir os bens e serviços produzidos, na medida em que é essencial manter todos os cidadãos, justa e corretamente recompensados, seja como consumidores ou porque são atores essenciais dos diversos processos de produção instalados em uma sociedade.
A partir desse entendimento (o ‘comportamento’ do ser humano, em todas as suas características, tem importância fundamental no ‘comportamento’ da sociedade, incluindo-se aí, a própria economia), era de se imaginar já ter passado o tempo no qual os estudos econômicos considerassem, quase que exclusivamente, premissas que tinham como base a racionalidade do ser humano e a existência de mercados funcionando de ‘forma perfeita’.
Ora, todos sabemos que os seres humanos não agem de forma racional todo o tempo, assim como não há economias que funcionem em mercados perfeitos, motivos mais do que suficientes para não se acreditar na total ausência do Estado nas discussões econômicas, sociais e políticas de um País.
Vale repetir: os mercados não funcionam de “forma perfeita” e as pessoas, empresas e países, além de não atuarem de uma forma eficiente e sempre racional, ainda consideram, em suas decisões econômicas, valores políticos, sociais, religiosos e culturais que, sabe-se, não se comportam de forma linear. Não à toa, muitos países, além dos indicadores puramente econômicos, também realizam mensuração de diversas outras variáveis relativas ao bem-estar da sociedade, tais como a liberdade, a felicidade ou a sustentabilidade ambiental.
A compreensão relativa à economia, e cada vez mais, exigirá que se conheçam, também, filosofia, ciência política, sociologia e psicologia. Não tenho qualquer dúvida a respeito!
Quem tem acompanhado as reuniões do Fórum Econômico Mundial, por exemplo, sabe que além das preocupações com o meio ambiente e os conflitos entre nações, um dos assuntos que mais chamam a atenção é a desigualdade, isto é, a forma injusta como são distribuídos os bens econômicos e serviços produzidos, posto que processos contínuos de concentração de renda e de aumento da desigualdade geram, em todo o mundo, desconfiança com relação às instituições existentes, erosão do contrato social, desesperança com a política e descrédito da própria Democracia. Como consequências imediatas, estimulam-se movimentos sociais mais radicais que testam, de forma contundente, a geopolítica mundial e as sociedades que ainda não perceberam esses “novos tempos”. É tempo, portanto, do Brasil, assim como todo o mundo, atualizar-se e tomar providências concretas a respeito.
A perdurar períodos de tempos cada vez maiores, nos quais as populações menos privilegiadas vivam em condições de pobreza, corre-se o risco de se perder o pouco do que já se conquistou, incluindo-se aí, valores e princípios que assegurem o funcionamento do regime democrático.
Com base no artigo publicado por Thomas Carothers (Carnegie Endowment) e Brendan Hartnett (especialista em democracia), o professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stuenkel, comenta que já se contesta, atualmente, o fato de que as “Democracias que entregam bons serviços públicos e crescimento econômico são menos vulneráveis a ameaças autoritárias” (“Fatores de uma democracia vulnerável”, Estadão de 12/08/24).
De fato, como comentou Stuenkel, Carothers e Hartnett, em artigo publicado na revista Journal of Democracy, questionam se os “fatores socioeconômicos seriam os principais responsáveis pelo atual retrocesso democrático em numerosos países”, pois entendem eles, “a maior ameaça às democracias não vem “de baixo”, de eleitores desiludidos e dispostos a dar seu voto a um outsider autoritário, mas de lideranças que buscam enfraquecer a democracia “por cima” e se consolidar no poder de forma não democrática”. Concluem, inclusive, que as ‘democracias mais vulneráveis’ são aquelas “que não possuem instituições resilientes capazes de resistir a investidas autoritárias – seja aparelhando a Justiça Eleitoral, permitindo interferências no Judiciário, seja utilizando a burocracia de Estado para perseguir opositores”. E finalizam: “garantir uma economia vibrante e bons serviços públicos certamente ajuda, mas pode não ser suficiente. Em vez disso, é fundamental investir em regras e mecanismos claros que protejam as instituições democráticas para que formem um baluarte contra líderes com ambições autoritárias”.
De qualquer forma parece ser inquestionável, que “governos de qualquer caráter político que forneçam resultados socioeconômicos positivos para seus cidadãos serão, em média, mais estáveis e duradouros do que aqueles que não o fazem”.
O economista Roberto Macedo, em 18 de julho deste ano, ao comentar estudo realizado junto a 36 países, pelo Union Bank of Switzerland (UBS), publicou no Estadão o artigo intitulado “Distribuição de riqueza é mais concentrada”, do qual vale à pena destacar o fato de que no Brasil “a concentração de riqueza aumentou 16,8% nos últimos 15 anos e o País já ocupa o terceiro lugar no ranking de desigualdade entre 56 nações, atrás apenas de Rússia e África do Sul”. E mais, a previsão é a de que “até 2028 o Brasil terá 83 mil novos milionários, em um total de 463.797 indivíduos, (…) com patrimônio igual ou superior a US$ 1 milhão”. Como comentou Roberto Macedo, “tanto na renda como na riqueza o Brasil sai mal na foto da distribuição”.
Lamentavelmente, as lideranças políticas brasileiras, assim como parte das empresariais, não têm maiores preocupações com esses temas e, dessa forma, projetam-se futuros cada vez piores para o País, posto que uma das consequências é o estímulo a um cenário político polarizado e que mantem em evidência – e com poder – uma extrema esquerda ultrapassada, burra e corrupta e uma extrema direita retrógrada, ignorante e rancorosa.
Para que se criem condições para saída dessa situação, entre outras tão importantes quanto, algumas providências precisam ser tomadas. Uma delas, como aqui já explanado, é não acreditar no “deus mercado”, em concorrência perfeita e na racionalidade econômica, na qual a preservação do ‘caixa’ é mais importante que a vida das pessoas. O Brasil precisa voltar a investir e a crescer. Já é tempo de se entender que a moderna economia, e sua própria visão de futuro, no qual setores público e privado desempenham papeis complementares, baseia-se na inovação, no desenvolvimento tecnológico e científico, objetiva o aumento da produtividade e da competitividade e exige compromissos permanentes com a prevenção da saúde, com a sustentabilidade, a preservação do meio-ambiente, a inclusão social e a diminuição da desigualdade.
Para tanto é necessário que o nosso Congresso, apoiado pelo Executivo e as principais lideranças empresariais, e sempre de acordo com as normas e procedimentos constitucionais, isto é, sem improvisos e chicanas desnecessárias, volte a funcionar orientado para o bem coletivo e do País. A agenda de reformas precisa estar na ordem do dia e discutida de forma séria e isenta, sempre orientada para a melhoria do bem-estar de todos os brasileiros e o fortalecimento “das regras e dos mecanismos que protegem as instituições democráticas”, de tal forma que se constituam em obstáculos intransponíveis aos assédios de “líderes com ambições autoritárias”
Agora, mais do que nunca!