Em plena madrugada agiam os ladrões de antigamente quando furtivamente invadiam casas para roubar pertences domésticos que, à época, ainda eram difíceis de comprar.
Hoje, os “ladrões da madrugada” são conhecidos e atendem pelo nome de “parlamentares”. Na calada da noite investem sorrateiramente contra o bom senso e avacalham a Justiça, perna fundamental da democracia. Por 291 votos contra 148, a maioria dos deputados aprovou a esdrúxula lei da dosimetria que permite tudo, até mesmo golpe de Estado m. Um verdadeiro escândalo que beneficia a “molecagem” dos inconformados perdedores da última eleição presidencial.
Afinal, dizem eles, foi “só” uma tentativa de golpe que não se consumou. Não houve violência. Apenas um papel rabiscado com um plano porcamente intitulado “Punhal Verde e Amarelo”. Nada queriam os golpistas a não ser mexer um pouco com os ânimos de seus apoiadores e balançar os alicerces da nossa democracia ainda em construção.
Julgados, com fartura de provas produzidas por eles mesmos numa operação digna das Organizações Tabajara, os golpistas receberam da Justiça o que está na lei. E se a lei vale para todos, por que não valeria para alguns?
Pois é exatamente esse o ponto que se vislumbra da semianistia vergonhosa que os deputados aprovaram na madrugada do dia 10 de dezembro, três dias antes de se recordar o famigerado AI-5 de 1968.
Na impossibilidade moral de garantir uma anistia ampla, geral e irrestrita, os parlamentares do Centrão e da extrema-direita inventaram um atalho para diminuir as penas dos condenados pelo 8 de janeiro. Bolsonaro, por exemplo, o líder da facção criminosa, poderá reduzir em até 50% a sua condenação. Com o benefício da redução de pena, poderá ficar apenas 2 anos e 8 meses na prisão – talvez consiga antes disso o cárcere doméstico, já que sustenta possuir laudos doenças perigosas para a sua vida. Além do líder da tentativa de golpe, outros condenados serão beneficiados.
Assim, aquilo que se provou ter sido um verdadeiro atentado à democracia vai virar uma “brincadeira de criança mal educada”. Dessa forma, soltos em pouco tempo e ainda admirados por parcela da população que não admite ser contrariada, os golpistas voltarão à carga, ainda mais fortes e corajosos.
A votação trágica de uma semianistia vergonhosa é o caminho para que a nossa democracia, ainda frágil e imatura, sofra novas tentativas de golpe. Feita às pressas e às vésperas do fim do ano, a manobra comandada pelo deputado Hugo Mota ainda vai cobrar seu preço em vidas caso a sociedade civil e os democratas não elevem suas vozes, agora e sempre.
Marco Piva é jornalista e diretor de redação do canal de YouTube China Global News.










